Por Lia Mirror & Laila Lizmann
“Baudelaire simplesmente desnudou o coração; Rimbaud arranca o seu e o devora lentamente…” (Miller, 2003, p. 121)
Estava ilhada sob uma chuva torrencial. O vento uivava. Abracei a parede daquele abrigo. Chorei e maldisse Henry Miller pelo silêncio secular, nem mesmo as poucas palavras inscritas.
A tempestade ou o intempestivo? Prendi a respiração e desejei morrer pelo impulso de salvação da liberdade. Não devo ter ficado muito tempo sem respirar, mas quando voltei, a chuva havia parado. Respirei como um orgasmo abraçando a parede que me consolou.
– Moça! Aqui passa o ônibus 455?
Não quis acreditar que alguém estivesse falando comigo. De onde ele surgiu? Cadê a chuva? Ele olhou-me sem esboçar estranhamento do quase ato sexual com a parede. Tirou do bolso um papel dobrado e colocou sobre o banco, próximo aos meus pés. Agachei e desdobrei aquele papel que dizia: “Estaremos na mesa do seu Alberto. E eu, doce Lia… à espreita. H. Miller”. (*)
– Maldito seja! Sempre à espreita da carne e do sangue! Você é bendito entre os libertos, ditos e malditos do escárnio.
Fui ao encontro deles no restaurante sem nome na José Livres, número 455. Estava ansiosa por tê-los novamente, nada me satisfaria tanto. Quando adentrei o recinto vi a mesa do seu Alberto vazia. Busquei-os e nada.
Sentei e logo chegou o Antonio que não era Conselheiro, nem casamenteiro; beijo-me a mão e perpetrou um olhar profundo. Nesse olhar eu vi Rubens, Goya e seus Saturnos. Vi Arthur Bispo do Rosário com seu estandarte vindo em minha direção com as seguintes palavras: O impossível só pode ser atingido por investidas e o nome para isso é loucura[1]; vi José Leonilson bordando sua bagagem de mão “O Mentiroso”; vi montanhas de livros abertos gritando palavras. Mas não vi o seu Alberto – foi o que pensei, antes de desfalecer nos braços de Antonio.
Quando acordei não era Antonio que me acolhia; estava nos braços de Henry Miller; ele sussurrou fitando-me: Eu não olho mais nos olhos da mulher que tenho em meus braços, mas os atravesso nadando, cabeça, braços e pernas por inteiro… um mundo inexplorado.[2]
Referências:
CARDOSO JR., Hélio Rebello (Org.) Inconsciente Multiplicidade: conceito, problemas e práticas segundo Deleuze e Guattari. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
MILLER, Henry. A hora dos assassinos (um estudo sobre Rimbaud). Trad. Nilton Persson. Porto Alegre: L & M, 2003.
MILLER, Henry. Trópico de Capricórnio. Tradução de Aydano Arruda. São Paulo: IBRASA, 1963.
Sobre José Leonilson
MESQUITA, Ivo. Leonilson: Use, é lindo, eu garanto. São Paulo: Projeto Leonilson/ Cosac & Naify, 1997.
(*) “a mesa do seu Alberto” Batucada, Miller e a mesa do seu Alberto
Parabéns pelo Blog Gisele.
Rivail: feliz em recebê-lo nesse espaço.
abraço