Arquivo | Visões exorbitadas RSS feed for this section

Série ficcional visões exorbitadas I: Irene não ri

18 set

Por Laila Lizmann

“Os tremós são grupos de corpos decompostos… são palavras fecais dos corpos putrefatos e em germinação no abismo da matéria imunda.” (Antonin Artaud)

Para muitos, Irene ri em popularizada canção (1). Minha Irene é diferente, ela não ri.  Não sei para onde ela foi, mas eu a vi – ir – em suas caixas enormes, milimetricamente cortadas, cada prego, cola, tudo encaixado; e nenhum sorriso.

Sempre fiquei atenta a sua habilidade em fazer caixas. Palpáveis ou não seus segredos precisavam de bastante espaço.

Joseph Beuys, Capri-Batterie (Bateria Capri), 1985; Lâmpada amarela com bocal, limão e caixa de madeira, 19 x 19 cm, 200 exemplares numerados e assinados. Coleção Paola Colacurcio, Rio de Janeiro

Na feitura de suas caixas, ela vasculhava o seu interior como que medindo os objetos imaginários para garantir-lhes, não o conforto, mas a respiração. Eu mesma poderia estar dentro de uma dessas caixas, viva; ou morta. Será que ela enterra suas caixas?

Depois de observá-la por um tempo percebi que a dimensão de suas caixas perfilava o tamanho de seus membros, de suas partes desconexas.

Os pregos são batidos para  “esburacarem o pensamento”, assim, remonta a resposta ao riso cruel. Os cortes serrados e lixados acreditam na “insurreição das profundezas do espírito”. (2)

Irene não ri porque prefere o seu imaginário ao convívio de quem ri. Irene não ri para não renunciar a sua parte mulher; ao seu corpo traumatizado em sua afasia terminal. Irene enterra seu riso por Joseph, seu segredo oprimido, para não haver visões que possam exorbitar.


(1) IRENE, de Caetano Veloso (1969) “… Quero ver Irene dar sua risada
Irene ri, Irene ri, Irene …”

[2] ARTAUD, Antonin. Van Gogh o suicida da sociedade. Tradução Ferreira Gullar. Rio de janeiro: Jose Olympo Editora, 2003, p. 14.