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Série MANTOS II: Cultura Artística & Histórica – Cinema.

30 out

por Gisele Miranda 

É importante dizer que não é a quantidade de ‘bilhetes’ que sustenta esse texto, mas como a memória exercita seu papel diante da vida. São 21 anos costurados com conteúdo, temporalidades, crenças, dores, políticas, guerras, cores, sabores, amores e valores, em salas de cinemas que não existem mais, tal como o Cineclube Bixiga. No cineclube nasceu minha paixão por Truffaut (1932-1984) ou por todos da Nouvelle Vague

Pela resistência da Mostra Internacional de Cinema que pulsa dedico o Manto II, a Leon Cakoff (1948 -2011) e à Renata de Almeida (1965-).

Sempre acompanhei os esforços deles e posteriormente a bravia trajetória de Renata para manter as Mostras, trazer diretores, atores, atrizes para debates, enfim, um grande evento anual imprescindível à nossa cultura e com a nossa participação no juri popular.

Manto II - Cinema, maio 2020.  tecido 2, 5 m x 50 cm. Linha, agulha e bilhetes de cinemas.

Manto II – Cinema, maio 2020. tecido 2, 6 m x 54 cm. Linha, agulha e bilhetes de cinemas.

O sorriso da memória vem com a imagem de Samira Makhmalbaf (1980-), após assistir A Maçã. Vem com Radu Mihăileanu (1958-), pelo Trem da Vida. Por conhecer Amos Gitai (1950-), Kusturica  (1954-), entre tantos outros.

Há uma infinidade de descobertas, de alimentos à alma, porque cultura é mais do que as belas artes. É memória, é política, é história, é técnica, é cozinha, é vestuário, é religião etc… Onde é dado o sentido do tempo, do visível, do invisível, do sagrado, do profano, do prazer, do desejo, da beleza e da feiura, da bondade e da maldade, da justiça e da injustiça.* Por vezes, um limite tênue entre o básico e o nada; entre a luta e o abandono; entre o desemprego e o desespero à estranha derrota. Talvez, seja esse o motivo para costurar o MANTO, bordar, furar, sangrar, lembrar, criticar e me colocar como Michel Aubry (1959 -) quando costurou “mobílias, instrumentos, tecidos…”: mantos históricos e com seus “sintomas políticos e sociais.” **

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Filmes listados:

  1. A Vida é Bela. Grupo Severiano Ribeiro, 22 fevereiro 1999, às 16:20 h.
  2. Wilde. 25 fevereiro 1999. Alvorada Cinemat. – Sala Cândido Portinari, às 21:45 h.
  3. Barroco Balcânico. Mostra Internacional de Cinema – sala Auditório, 16 outubro 1999, às 12:15 h.
  4. Garotas do futuro. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc 17 outubro 1999, às 13:15 h.
  5. A Humanidade. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc, 17 outubro 1999, às 15:00 h.
  6. Simon Magnus. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc, 17 outubro 1999, às 17:45 h.
  7. Mero Acaso. Mostra Internacional de Cinema – Cine Arte 1, outubro 1999, às 18h.
  8. Agarrando Sonhos. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc, 23 outubro 1999, às 12:00 h.
  9. Um só pecado. 5 março 2000, às 21:30 h.
  10. Uma boa dona de casa. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc, 17 outubro 1999, às 17:45 h.
  11. E aí meu irmão cadê você. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc, 20 outubro 2000, às 16:10 h.
  12. Cerca de la frontera. Mostra Internacional de Cinema, Cine Unibanco 1, 20 outubro 2000, às 20:25 h.
  13. Minha vida em suas mãos. Mostra Internacional de Cinema – Unibanco 1, 20 outubro 2000, às 22:15 h.
  14. Leste-Oeste o amor no ex…. Mostra Internacional de Cinema, Sala vitrine, 21 outubro 2000, às 14:00 h.
  15. Canções do segundo amor. Mostra Internacional de Cinema, Cine Unibanco 1, 21 outubro 2000, às 16:30 h.
  16. A deusa de 1967. Mostra Internacional de Cinema – MASP, 21 outubro 2000, às 20:40 h.
  17. A lenda de Rita. Mostra Internacional de Cinema, Unibanco 1, 22 outubro 2000, às 14:00 h.
  18. O recrutador. Mostra Internacional de Cinema, Unibanco 1, 22 outubro 2000, às 16:10 h.
  19. Butterfly. Mostra Internacional de Cinema, Cine Sesc, 22 outubro 2000, às 18:35 h.
  20. Cabecita rubia. Mostra Internacional de Cinema, MASP, 22 outubro 2000, às 20:50 h.
  21. Bastardos no paraíso. Mostra Internacional de Cinema, Cine Sesc, 22 outubro 2000, às 22:30 h.
  22. Porno film. Mostra Internacional de Cinema, Cine Arte, 23 outubro, às 15:50 h.
  23. Pele de homem, coração de besta. Mostra Internacional de Cinema, Cine Vitrine, 23 outubro 2000, 17: 25 h.
  24. A origem do homem. Mostra Internacional de Cinema – Cine Arte, 23 outubro 2000, às 21:40 h.
  25. Antes do anoitecer. Mostra Internacional de Cinema, Cine Arte 1, 23 outubro 2000, às 23:40 h.
  26. Tesoro mio. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 24 outubro 2000, às 14:00 h.
  27. Anjos do Universo. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 24 outubro 2000, às 15:35 h.
  28. Quem tem medo de…. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 24 outubro 2000, às 17:45 h.
  29. O jogo de Mao. Mostra Internacional de Cinema, Cine Sesc, 24 outubro 2000, às 19:30 h.
  30. Sem descanso. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 25 outubro 2000, às 14:00 h.
  31. Uma relação pornográfica. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 25 outubro 2000, às 16:10 h.
  32. 101 reykjavk. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 25 outubro 2000, às 19:20 h.
  33. Segunda Piel. Mostra Internacional de Cinema, Cine Arte, 25 outubro 2000, às 21:10 h.
  34. Luna papa. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 26 outubro 2000, às 15:35 h.
  35. O quarto das meninas. Mostra Internacional de Cinema, Cine Sesc, 26 outubro 2000, às 17:55 h.
  36. Virilidade e outros dilemas modernos. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 26 outubro 2000, às 21:40 h.
  37. Thomas Pinchon – uma jornada. Cinearte, 27 outubro 2001, às 16:10 h.
  38. Ano novo com neve. Mostra Internacional de Cinema, Cine Arte, 27 outubro 2000, às 17:20 h.
  39. O rei está vivo. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 27 outubro 2000, às 19:35 h.
  40. Baise Moi. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 27 outubro 2000, às 20 h.
  41. You really got me. Cine Unibanco, 27 outubro 2001, às 00:00 h.
  42. O dia em que me tornei mulher. Mostra Internacional de Cinema, Unibanco, 28 outubro 2000, às 17:425 h.
  43. Fama para todos. Mostra Internacional de Cinema,Cine Arte, 28 outubro 2000, às 19:40 h.
  44. Signos e desejos. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 28 outubro 2000, às 21:35 h.
  45. Sábado. Cinearte, 28 outubro 2001, às 00:15 h.
  46. Vidas. Mostra Internacional de Cinema, Cine Arte, 29 outubro 2000, às 14:00 h.
  47. Faz de conta que não estou aqui. Mostra Internacional de Cinema, Vitrine, 29 outubro 2000, às 17:55 h.
  48. Vatel. Mostra Internacional de Cinema, Cine Sesc, 29 outubro 2000, às 21:35 h.
  49. Wojaczek. Mostra Internacional de Cinema, Cine Sesc, 29 outubro 2000, às 23:55 h.
  50. Gotas de água em pedras escaldantes. Mostra Internacional de Cinema, MASP, 30 outubro 2000, às 20:30 h.
  51. Como Samira fez o quadro negro. Mostra Internacional de Cinema, Sala UOL, 30 outubro 2000, às 15:20 h.
  52. Alameda do Sol. Mostra Internacional de Cinema, Cine Arte 1, 30 outubro 2000, às 23:05 h.
  53. L´Histoire de Adele H. Top Cine, 29 novembro 2000, às 22:00 h.
  54. Waking life. Sala UOL, 30 outubro 2001, às 14:00 h.
  55. Moulin Rouge. Cinearte, 29 agosto 2001, às 21:30 h.
  56. A professora de piano. Cinearte, 25 janeiro 2002, às 14:10 h.
  57. Samsara. Cine Unibanco, 19 fevereiro 2003, às 21:00 h.
  58. Frida. Cine Unibanco, 13 abril 2003, às 14:30 h.
  59. Kamchatka. Cinearte, 02 maio 2003, às 22:00 h.
  60. Aos olhos de uma mulher. UCL, 19 julho 2003, às 00:30h.
  61. Festival Anima Mundi. Auditório da Vila Mariana, 23 julho 2003, às 00:30h
  62. A mulher gato. Mostra Internacional infantil… s/d.
  63. SUR – Fernando Solanas. Mostra SESC de Artes Latinidades -ciclo de cinema no Cinesesc, 22 agosto 2003, às 15:00 h.
  64. Ainda pego essa al….Cine Santa Cruz, 20 setembro 2003, às 14:30 h.
  65. Balzac e a …. Cine Unibanco, 14 agosto 2004, às 22:00 h.
  66. Homem Pelicano. Cine Santa Cruz — II Mostra de Cinema Infantil, 28 setembro de 2005, às 19:10 h.
  67. Noitão (3 filmes) no Bellas Artes, sala Cândido Portinari, 12 agosto 2005, às 23:52 h.
  68. Crime delicado. Cine Unibanco, 28 janeiro 2006, às 22:00 h.
  69. Melissa P. – 100 escovadas antes de dormir. Mostra Internacional de Cinema – Cinemark santa Cruz 9, 20 outubro 2006, às 21:30 h.
  70. O Caminho para Guantanamo. Mostra Internacional de Cinema – Cinemark Santa Cruz 9, 21 outubro 2006, às 21:30 h.
  71. Sonhos com Shanghai. Mostra Internacional de Cinema – Cine Sesc, 22 outubro 2006, às 13:30 h.
  72. Voltando ao passado. Mostra Internacional de Cinema – Cine Bombril, 23 outubro 2006, às 18:30 h.
  73. Dias de Glória. Mostra Internacional de Cinema – Reserva Cultural 2, 24 outubro 2006, às 19:30 h.
  74. Nue Propriete. Mostra Internacional de Cinema – Reserva Cultural 2, 24 outubro 2006, às 21:30 h.
  75. A Soap. Mostra Internacional de Cinema – Cinemark Santa Cruz 9, 25 outubro 2006, às 21:30 h.
  76. Arame farpado. Reserva Cultural 2, 26 outubro 2006, às 13:00 h.
  77. Amu. Reserva Cultural 2, 26 outubro 2006, às 15:20 h.
  78. Como festejei o fim do mundo. Cinemark Santa Cruz 9, 26 outubro 2006, às 19:00 h.
  79. Uma verdade inconveniente. Cinemark Santa Cruz 9, 26 outubro 2006, às 21:30 h.
  80. Oscar Niemeyer – a vida é um sopro. Cine Bombril, 18 maio 2007, às 16:00 h.
  81. Goyas Ghost. Cine Leblon 1(RJ/RJ), maio 2007, às 16:30 h.
  82. A Massai branca. Rio Design 3 (RJ/RJ), 22 setembro 2007, às 19:00 h.
  83. Bem-Vindo São Paulo. Rio Design 3 (RJ/RJ), 22 setembro 2007, às 22:00 hs.
  84. Caos Calmo. Sala 4 (cortesia), outubro 2008, às ..:15 h.
  85. Baby love. Cine Reserva Cultural, 16 outubro 2008, às 13:10 h.
  86. Como Albert viu as montanhas se moverem. Mostra Internacional de Cinema – Espaço Unibanco 5, 20 outubro 2008, às 16:00 h.
  87. Fim da noite. Cine Unibanco, 03 novembro 2011, às 22:00 h.
  88. Fim de semana em casa. Espaço Itaú de Cinema, 19 outubro 2012, às 16:00 h.
  89. Elefante Branco. Espaço Itaú, 15 novembro 2012, às 16:00 h.
  90. O Homem da máfia. Espaço Itaú, 01 dezembro 2012, às 11:00 h.
  91. Na terra de amor e ódio. Espaço Itaú, 15 dezembro 2012, às 11:00 h.
  92. A filha do pai. Espaço Itaú, 03 janeiro 2013, às 19:40 h.
  93. Ha Ha Ha. Cine Sesc, 05 janeiro 2013, às 14:30 h.
  94. As quatro voltas. Espaço Itaú, 20 janeiro 2013, às 20:00 h
  95. Segredos de sangue. Espaço Itaú, 15 junho 2013, às 14:00 h.
  96. Augustine. Sala 2, 13 julho 2013, às 21:30 h.
  97. A bela que dorme. Espaço Itaú, 1 julho 2013, às 16:30 h.
  98. Camille Claudel, 1915. Cine L. Cultura, 14 agosto 2013, às 18:00 h.
  99. Ferrugem e osso. Sala 1, 16 agosto 2013, às 19:00 h.
  100. Flores Raras. Cine L. Cultura, 17 agosto 2013, às 17:00 h.
  101. O verão do Skylab. Cine L. Cultura, 05 setembro 2013, às 14:00 h.
  102. A Religiosa. Sala 2, 14 setembro 2013, às 19:20 h.
  103. Uma primavera com a minha mãe. Sala 4, 03 outubro 2013, 15:20 h.
  104. Os belos dias. Sala 1, 16 outubro 2013, às 15:30 h.
  105. Mar silencioso. Reserva Cultural 1, 18 outubro 2013, às 18:00 h.
  106. Amar. Reserva Cultural, 18 outubro 2013, às 15:50 h.
  107. Trem noturno para Lisboa. Cine L. Cultura, 29 novembro 2013, às 19:50 h.
  108. Pais e filhos. Sala 1, 30 dezembro 2013, às 22h.
  109. Ninfomaníaca. Espaço Itaú, 08 fevereiro 2014, às 17:00 h.
  110. O grande hotel Budapeste. Espaço Itaú, 16 agosto 2014, às 16:00 h.
  111. Amantes eternos. Caixa Belas Artes, 17 agosto 2014, às 14:00 h.
  112. Viollette. Reserva Cultural, 30 agosto 2014, às 18:40 h.
  113. Magia ao luar. Espaço Itaú, 31 agosto 2014, às 18:00 h.
  114. Mommy. Sala 4, 25 dezembro 2014, às 21:25 h.
  115. Relatos Selvagens. 03 janeiro 2015, às 17:00 h.
  116. A família Bellier.  janeiro 2015, às 20 h.
  117. As Invisíveis. Cine Sala, 24 fevereiro 2020, às 14:30 h.
  118. Parasita. Cine Santa Cruz 07, 22 fevereiro 2020, às 15:40 h.

(*) CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.) O Direito à Memória: patrimônio histórico e cidadania/DPH. São Paulo: DPH, 1992.

(**) Catálogo da 30ª Bienal de São Paulo, 2012, p. 228-229.

O pote de riquezas do arco-íris: Séries de ANTONIO PETICOV

10 dez

por Gisele Miranda

 

O pote de riquezas do arco-íris é a materialização desse múltiplo e inquietante artista de notoriedade plástica construída pelo Modernismo Brasileiro, pela Vanguarda Tropicalista com interferências da Vanguarda Europeia.

Em sua Série Releituras, o gênero natureza-morta é representado por uma Cesta de Frutas de Caravaggio (1571-1610). Suas frutas são como as personagens: vivas, de uma violência gritante, para falar da dor e da luz sem piedade. Ele ousa com uma fruta podre – a maçã – e fundamenta sua crítica ao convívio religioso de sua época.

A pintura Caravaggio´s (1997) de Antonio Peticov é a releitura mais fiel. A pintura desse gênero foi muito mais comum no Barroco Laico e considerada gênero menor no Barroco Religioso. As cópias de pinturas são exercícios necessários. Courbet quando deixou o curso de Direito exerceu livremente seu ofício no Museu do Louvre e fez muitas cópias. Muitos fizeram e fazem como estudos.

Ademais, como Caravaggio, Peticov é admirador das mulheres artistas, as tão poucas da História da Arte. Até meados do século 20, as mulheres artistas não eram bem vistas como pintoras ou intelectuais. Em geral os pintores não apoiavam pintoras. O gênero menor natureza-morta foi o indicativo de pinturas para mulheres em atividades recreativas.

De Pablo Picasso, Peticov abraça seu lado mais Cubista (além do charme). A Série Professor dedicado ao mestre Picasso, destacou a mesa como elemento pictórico comum do movimento, atrelado ao perfil de Picasso e associado ao conhecido perfil de Alfred Hitchcock (1899-1980). Daí por diante surgiram outros perfis, dos mestres aos amigos.

Na série O Cérebro e a Mente há uma trama histórica e memorial, significados coletivos que convergem na complexidade humana e artística. Peticov propôs, através da reflexão plástica, o uso da maquinaria, provendo-a com sabedoria.

Em The Trip in the Moon, de 2019, Peticov viaja com as cores à lua com atitudes interiores, sob a inspiração fílmica de Viagem à Lua de Georges Meliès (1861-1938).

Em Nightfall , o dia potencializa o fluxo do rio de cor branca e que encontra o conteúdo imaterial do quadrado branco sobre o fundo branco de Malevich (1878-1935), ou seja, o transbordamento de possibilidades vivas. Nas curvas daquele rio, o curso delineado, a sublimação das cores no reverso. Noites neons, as conhecidas Torres e Escadas de Peticov, escaladas para o dia e para a noite.

Pouring à Pouring More – da tela à escultura, as cores brincam em um derramamento de cores. É a magia do pote encontrado e o encantamento natural do sol com a chuva, incorporado a noite pela imaginação, pelos pincéis, tintas, madeira, mármore, aço e neon.

A casa/ateliê de Peticov é educacional, as crianças de todas as idades são bem-vindas, pois a casa é feita de jogos, quebra-cabeças, esculturas, pinturas e desenhos. Nos tornamos personagens de Lewis Carroll e percorremos sua incrível estória com várias interpretações históricas, através de uma mesa/ instalação/escultura por releituras de Carroll.

 

 

Referências:

(*) Parte desse texto foi publicado no catálogo da Exposição A LUZ de ANTONIO PETICOV, 2019 por Gisele Miranda- GALERIA RICARDO VON BRUSKY. Texto ampliado.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Tradução Denise Bottmann & Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão: ensaios sobre o Barroco. Tradução Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

ARGAN, Giulio Carlo. Clássico Anticlássico: o Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Tradução Lorenzo Mammì. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

GOMBRICH, Ernst H. J. História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão; Irene Ferreira & Suzana Ferreira Borges. 2 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. (coleção Repertórios)

Sobre Antonio Peticov:

https://www.peticov.com.br/ site oficial do artista.

 

Série Movimentos de Vanguarda III: BAUHAUS, a Casa Construída (parte II)

25 jun

por Gisele Miranda

A Bauhaus, “síntese casa-escola-oficina” ou “escola fábrica” teve o ícone-vértice da Arquitetura Moderna: Walter Gropius (1883-1969). Com ele proliferaram as experiências artísticas em coletividade. Seu fazer arquitetura era essencialmente alimentado, exercido com todos os aportes da arte: explicando e sensibilizando em meio a intensa crise da sociedade.

Gropius formou-se em arquitetura em 1907. Foi assistente do arquiteto e designer Peter Behrens (1868-1940). De 1914 a 1918 foi um combatente na Primeira Guerra Mundial. Entre a guerra e a criação da Bauhaus, ele viveu uma história de amor com Alma Mahler (1879-1964), viúva do musicista Gustav Mahler (1860-1911). Alma e Gropius foram casados por cinco anos; Gropius viveu o amor com uma mulher intensa e de brilhantismo intelectual, além da guerra, do front, da perda e da dor às vésperas da criação da Bauhaus (1919).

Gropius está internado em algum hospital militar do front. (jan, 1915). Há mais de um ano estamos casados… não temos um ao outro, e às vezes tenho medo de que nos tornemos estranhos. Meu sentimento por ele deu lugar a um sentimento conjugal entediante…. Não se pode manter um casamento a distância.” (out. 1916) (In: Alma Mahler, Minha Vida, 1988, p.65; 76)

Com o término da guerra, Alma teve uma paixão pelo pintor Oskar Kokoschka (1886-1980), mas acabou casando com o poeta Franz Werfel (1890-1945). Walter Gropius se casou com Ise Frank, homenageada pelo Instituto Goethe de Brasília, em 2019, na primeira série sobre as Mulheres da Bauhaus.

De 1934 a 1937, Gropius se refugiou na Inglaterra. Em 1937 o casal foi para os EUA, onde o arquiteto trabalhou em Harvard até 1953; nesse mesmo ano recebeu o Grande Prêmio Internacional de Arquitetura, em São Paulo, Brasil.

Gropius regressou a Alemanha quase 30 anos depois de seu exílio para a realização de um projeto. Ele faleceu em Boston, EUA, em 5 de julho de 1969.

Gropius e a Bauhaus: algumas experiências artísticas

O vértice: o arquiteto Walter Gropius ou a representação da Arquitetura Moderna da Bauhaus alinhavou diversas expressões artísticas, além da importância do Design e do próprio fazer arquitetura. O Teatro Total adentrou a Bauhaus como parte do Centro de Educação Coletiva, onde:

A arquitetura transpôs o limite além do qual uma realidade e uma ilusão, uma matéria e um símbolo, não são separáveis… (…) arquitetura em movimento… que faz o espaço… (…) Do palco circular, nascido da arena agonística. In: Argan, 2005, p. 130; 131.

O Teatro Total nasceu da crise na consciência moderna. A comicidade sobressaiu como uma incontrolável dificuldade de lidar com os dramas do pós-guerra e com a falta de diálogo com uma burguesia vertida ao fascismo. A dramaticidade foi a dificuldade de lidar com um mundo físico e a moral em um processo irreversível. A Bauhaus trabalhou os conflitos com uma cenotécnica criada por Oskar Schlemmer (1888-1943) – a interação com os espectadores foi vital para desenvolver a luz, as cores, os sons, figurinos em bombardeios de sensações. (Argan, 2005:74) Schlemmer desenvolveu a Teoria do Compressionismo:

As pinturas murais em estuque… com superfícies capazes de compensar ou preencher o vazio… estabelecer identidade entre o cheio e o vazio, entre o espaço real e o espaço figurado” (Argan, 2005: 68)

As experiências dos movimentos de vanguarda da Europa foram referências para os mecanismos dessa arquitetura. As esculturas de Pevsner (1902-1983) e Gabo (1890-1977) transformaram o espaço da terceira para a quarta dimensão; O suprematismo de Malevich (1879-1935) interferiu para no princípio abstrato com a realidade concreta da ´coisa que se move´… a superação da forma geométrica como forma a priori…” (Argan, 2005: 138; 140).

Na tecelagem sob a orientação de Gunta Stöl (1889-1973), as pinturas adentraram o tecido. No mobiliário, Marcel Breuer (1902-1981), priorizou o metal. Em 1925:

A cadeira de tubo metálico que substitui por um conjunto de linhas tensas e curvas elásticas, que visam a secundar os movimentos espontâneos do corpo humano. (Argan, 2005: 65)

Anni Albers (Berlim, Alemanha,1899- Orange, Connectcut, EUA, 1994), Foto de Nancy Newhall, 1947; Gertrud Arndt (Racibórz, Polônia, 1903- Darmstadt, Alemanha, 2000) foto Otti Berger c. 1930;  Gunta Stölzl, (Munique, Alemanha, 1897- Zurique, Suíça, 1983. Foto s/d.

1. Anni Albers (Berlim, Alemanha,1899- Orange, Connectcut, EUA, 1994), Foto de Nancy Newhall, 1947; 2. Gertrud Arndt (Racibórz, Polônia, 1903- Darmstadt, Alemanha, 2000) foto Otti Berger c. 1930 com uma construção da Bauhaus; 3. Gunta Stölzl, (Munique, Alemanha, 1897- Zurique, Suíça, 1983. Foto s/d. (*)

Paul Klee (1879-1940) procurou nas primeiras formas do Construtivismo, as reverberações infantis, as forças ativas e passivas das linhas ao remontar a origem das formas. Kandinsky (1866-1944) teorizou sobre as cores – atração e repulsão das linhas e das cores. Josef Albers (1888-1976) e Moholy-Nagy (1895-1946) utilizaram os recursos de collage e do readymade para reconhecer a matéria original da arte nas coisas de uso corrente, além de Moholy-Nagy destacar o aço cromado, alumínio e níquel para objetos de iluminação. (Argan, 2005: 61; 66).

Referências:

Alma Mahler. Minha Vida. São Paulo: Martins Fontes, 1988. Coleção Uma Mulher. (publicado em 1960 a partir dos diários de Alma Mahler)

ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus. Tradução Joana Angélica d´Avila Melo; posfácio de Bruno Contardi. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Tradução Denise Bottmann & Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

GOMBRICH, Ernst H. J. História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

SCHAPIRO, Meyer: A Arte Moderna séculos XIX e XX. Tradução Luiz R. M Gonçalves. São Paulo: Edusp, 1996.

STANGOS, Nikos (Org.) Conceitos da Arte Moderna. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

TASSINARI, Alberto. O Espaço Moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

Catálogo Bauhaus.foto.filme: ideias que se encontram. Sesc Pinheiros, 2013.

https://goethebrasilia.org.br/blog/ise-gropius-frau-bauhaus/ em 23/06/2019.

Mulheres na Bauhaus – os mestres subestimados

Imagens de mulheres: Os artistas esquecidos na Bauhaus

(*) Notas:

  1. Anni Albers: Foi aluna e professora da Bauhaus em Tecelagem e Design; exilada nos EUA com o marido Josef Albers, também professor da Bauhaus.
  2. Gertrud Arndt: foi aluna da Bauhaus em Fotografia.
  3. Gunta Stölzl: professora da Bauhaus em Tecelagem/ oficina têxtil.

Série Movimentos de Vanguarda I: Impressionismo, Neoimpressionismo e Fauvismo.

5 maio

por Gisele Miranda

O conceito de Arte Moderna a ser apresentado situa-se nos escritos literários de Charles Baudelaire (1867-1921) e no turbilhão artístico ocorrido em final do século 19, até meados do século 20.

Nesse breve período surgiram os Movimentos de Vanguarda. Alguns com manifestos, outros, sem. Essa Modernidade é amparada historicamente pela Idade Moderna – mas são conceitos distintos.

Essa modernidade é ditada por mudanças de fases e processos de depuração. A perspectiva foi desaparecendo e a Arte Abstrata alçou pilar próprio e conquistou espaço paralelo ao figurativo. A colagem ganhou o ápice do Op antinaturalismo, ou seja, o espaço moderno.

O que o artista moderno procura… Ele procura algo que nós nos permitimos chamar modernidade… o eterno no transitório. (Baudelaire,1995: 694).

O Impressionismo

Alguns pensadores não creditam no Impressionismo como um movimento de experimentação se comparado aos que surgiram posteriormente. O Impressionismo perto do Fauvismo, Expressionismo ou Cubismo tornou-se mais de retaguarda do que de vanguarda. Mas em relação aos movimentos anteriores essa visão de retaguarda desaparece.

A primeira exposição Impressionista ocorreu em 1874. O grande público e os críticos ficaram chocados com o que viram, pois estavam calcados em uma longa história do figurativo Clássico, Neoclássico e do Realismo.

O Impressionismo abriu o espaço público para a pintura fora dos estúdios, utilizando a luz solar, os primeiros raios do sol, o entardecer, os movimentos das nuvens, o vento no vestido, no cabelo, na embarcação à vela, nas ondas do mar, na fumaça dos trens.

A bandeira do Impressionismo foi levantada por Claude Monet (1840-1926), unanimidade dos teóricos. Só ele capturou o caráter aéreo em turbilhões de fumaça branca e azul. Entre os jovens artistas da época, o Impressionismo foi bem recebido e incorporado.

Claude Monet (Paris, França, 1840 - Giverny, França, 1926), A Estação Saint-Lazare, 1877.  Óleo sobre tela, 74,9 x 100,3 cm. Museu d’Orsay, Paris.

Claude Monet (Paris, França, 1840 – Giverny, França, 1926), A Estação Saint-Lazare, 1877. Óleo sobre tela, 74,9 x 100,3 cm. Museu d’Orsay, Paris.

Édouard Manet (1832-1883) era bem estabelecido no mercado de arte e vindo de trabalhos ligados ao Realismo. Manet aplaudiu, aderiu, renovou e tornou-se também um Impressionista.

O movimento foi batizado ironicamente por um crítico ao ver a tela Impressões, nascer do sol de Monet. Chamando-a de impressões, de borrõesUm papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha. (1)

Claude Monet (Paris, França, 1840 - Giverny, França, 1926), Impressão, nascer do sol, 1872. Óleo sobre tela 48 x 63 cm. Museu Marmottan Monet, Paris.

Claude Monet (1840 -1926), Impressão, nascer do sol, 1872. Óleo sobre tela 48 x 63 cm. Museu Marmottan Monet, Paris.

Nomes como Camille Pissarro (1830-1903), Edgar Degas (1834-1917), Alfred Sisley (1839-1899), Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), Vincent van Gogh (1853-1890) e Berthe Morisot (1841-1895), uma das raras mulheres da História da Arte em um mundo totalmente masculino e muito reticente com a presença da mulher como artista. Morisot casou com o irmão de Manet e foi aluna dos pintores Realistas Jean-Baptiste Corot (1796-1875) e Jean-François Millet (1814-1975).

Berthe Morisot (Bourges, França, 1841 - Paris, França, 1895), O Berço, 1872. Óleo sobre tela, 56 x 46 cm. Museu d’Orsay, Paris.

Berthe Morisot (1841-1895), O Berço, 1872. Óleo sobre tela, 56 x 46 cm. Museu d’Orsay, Paris.

O Impressionismo passou por uma divisão com relação a técnica criada pelo pontilhismo ou Neoimpressionismo com Georges Seurat (1859-1891), Maximilien Luce, (1858-1951) Paul Signac (1863-1935), entre outros.

Georges Seurat (Paris, França, 1859- Paris, França, 1891), Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte, 1884 – 1886. Óleo sobre tela 2017,5 x 308,1 cm. Art Institute of Chicago.

Georges Seurat (1859-1891), Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte, 1884 – 1886. Óleo sobre tela 2017,5 x 308,1 cm. Art Institute of Chicago.

Henri Matisse (1869-1954) fez nus simplificados com o pontilhismo que o marcou no Neoimpressionismo, assim como sua tridimensionalidade através das fortes manchas.

Henri Matisse (Le Cateau-Cambrésis, França, 1869- Nice, França, 1954), Luxe, Calme et Vulupté, 1904. Óleo sobre tela, 98,5 x 118,5 cm. Museu d’Orsay, Paris.

Henri Matisse (1869-1954), Luxe, Calme et Vulupté, 1904. Óleo sobre tela, 98,5 x 118,5 cm. Museu d’Orsay, Paris.

Matisse era conhecido e respeitado, mesmo assim sofreu com as críticas, principalmente com a forma para representar o corpo feminino e como deixava suas modelos feias em sua fase Fauvista (1904-1907)

O retrato de sua mulher usando um enorme chapéu foi interpretado como sendo de um inexplicável mau gosto, uma caricatura da feminilidade. (Stangos, p. 17)

Matisse (Le Cateau-Cambrésis, França, 1869- Nice, França, 1954), Mulher com Chapéu, 1905. Óleo sobre tela 80,6 x 59,7 cm. Coleção particular.

Henri Matisse (1869-1954), Mulher com Chapéu, 1905. Óleo sobre tela 80,6 x 59,7 cm. Coleção particular.

O irmão da escritora Gertrude Stein (1874-1946) adquiriu o Retrato de Madame Matisse. Leo Stein deixou registrado: Era o mais nojento borrão de tinta que jamais vi. (Stangos, p.17)

(Le Cateau-Cambrésis, França, 1869- Nice, França, 1954) Madame Matisse, 1905. Óleo sobre tela, 40,.5 cm × 32,5 cm. Statens Museum for Kunst

Henri Matisse (1869-1954) Madame Matisse, 1905. Óleo sobre tela, 40,.5 cm × 32,5 cm. Statens Museum for Kunst

Matisse passou pelo Fauvismo, Expressionismo e Cubismo. O Fauvismo foi um movimento de cores puras, exageradas e com o contraste das cores complementares, do qual Maurice de Vlaminck (1876-1958), com seu espírito livre, tornou-se um expoente; além de oponente, veementemente, do pontilhismo dos Neoimpressionistas.

Maurice de Vlaminck (Paris, França, 1876 – Rueil-la-Gadelière, França, 1958), Hauses at Chateau, c.1905. Óleo sobre tela 81,3 x 101,6 cm. Art Institute of Chicago

Maurice de Vlaminck (1876 –1958), Hauses at Chateau, c.1905. Óleo sobre tela 81,3 x 101,6 cm. Art Institute of Chicago

Vlaminck, Matisse e Picasso (1881-1973) tornaram-se grandes colecionadores de esculturas africanas, a principal fonte para a primeira fase Cubista, pelas interferências da cultura africana com suas máscaras.

Matisse apadrinhou André Derain (1880-1954) no Fauvismo e no Cubismo, a ponto de interceder junto aos pais de Derain, para o importante ofício e a qualidade da obra do filho artista. Eles se tornaram os Les Fauves – os feras, os selvagens para falar das cores. Outros artistas foram agregando ao grupo, tais como Georges Braque (1882-1963), Raoul Dufy (1877-1953), Georges Rouault (1871-1958), Albert Marquet (1875-1947), Jean Puy (1876-1960), e sempre Picasso por perto, entre outros.

André Derain (Chatou, França, 1880 - Garches, França, 1954), Henri Matisse, 1905. Óleo sobre tela 46 x 34 cm. Tate Modern, London

André Derain (1880-1954), Henri Matisse, 1905. Óleo sobre tela 46 x 34 cm. Tate Modern, London

Para alguns artistas como Matisse, Derain e Picasso, as passagens de Movimentos, de fato, tornaram-se depurativas. Também Vincent van Gogh e Paul Gauguin (1848-1903) na fase Expressionista.

Houve sobreposição de movimentos, não como rupturas, mas como fases, experimentações e, obviamente, a relação vanguardista com o momento histórico da guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e as duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945). Essa relação artista/soldado esteve presente na estética dos feridos, dos sobreviventes aos traumas e mortes.

(1) Exposição Impressionismo: Paris e Modernidade, Obras-Primas do Acervo do Museu d’Orsay de Paris, França. CCBB SP, 2016. Obra roubada em 1985, mas, recuperada em 1990.

Referências:

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Tradução Denise Bottmann & Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BAUDELAIRE, Charles. As Flores do mal. Edição bilíngue. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

FERRREIRA, Glória; COTRIM, Cecilia (Org.) Clemente Greenberg e o debate crítico. (Tradução Maria Luiza X. de A. Borges). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

GOMBRICH, Ernst H. J. História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão; Irene Ferreira & Suzana Ferreira Borges. 2ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. (coleção Repertórios)

SCHAPIRO, Meyer: A Arte Moderna séculos XIX e XX. Tradução Luiz R. M Gonçalves. São Paulo: Edusp, 1996.

SCHAPIRO, Meyer. Impressionismo: percepções e reflexões. Tradução de Ana Luiza Dantas Borges. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

STANGOS, Nikos (Org.) Conceitos da Arte Moderna. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

TASSINARI, Alberto. O Espaço Moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

(*) Texto foi realizado no Instituto de Arte e Cultura Antonio Peticov.

O Sub-Término do Consciente (Parte III)

2 dez

por Caio Graco Madeira

…Vejo-me como um todo, incômodo e desvairado.

Sou como um advogado de um cliente que se pôs numa prisão reflexiva, e só este espelho me garante pagamento por todo o meu conhecimento sobre as leis ideológicas contraditórias em que ele se prendeu. E me recuso crer que a perdi mesmo com tanta certeza.

Vasculhei minha liberdade num transtorno, ela e eu em correntes. Analisando-me, vi que sempre me acorrento no mínimo grau de tormento que minha felicidade experimenta.

Não me entendo.

Neste caos que criei não há espaço para ela, apenas ao realismo palpável de uma mão que perdeu o tato. Em minha cabeça há eu e ela; mas meu coração é a mais pura solidão. Nosso amor ficou tão envergonhado com o meu embaraço naquela mesa, que calou minha falsa grandeza com palavras tão sinceras, que me fizeram duvidar de minha própria tristeza. O que sinto, de verdade? Não tento responder com outra palavra além de “saudade”. Interpretei as palavras dela como um quadro bem pintado, que transmitia um sentimento magoado impossível de ser desviado. Devo pintar-te um quadro?

Não? Sim. Mas tenho medo de ser mal interpretado, pois meu ateliê é frio e meu casaco é a fraca pele humana. Meu pincel apenas pinga tinta na loucura que de minha tela emana. Goela abaixo eu afoguei o meu perdão sobre a vida artística, e em retorno o porre detalha minha arte de forma rica bem aqui. Mas da onde vem a tinta? Pinto o espelho, mas não sinto o que me pinta. Quantas pinceladas trarão vida a minha tela? Quero presenteá-la com uma imagem tão bela, você sabe, minha vontade está à flor da pele.

ismael-nery-nus-no-rochedo

Ismael Nery, nus no rochedo, s/d. Aquarela sobre cartão.

Reúno em essência o motivo que difere este quadro dos outros: que minha loucura foi achar que ela não me fere, não me dói, e que é impossível permanecer a ideia simples de que ela se foi. Bombeia minha tinta, coração; não me deixe na mão. Só posso alcançar o amor pleno ao som de uma emoção, então ritme minhas falhas batidas, quero dessincronizá-las do ritmo que batia durante a partida dela, e sincroniza-las de novo àqueles momentos que me envolvi no que ela sentia-se já tão envolvida. Não é isso que ela queria?

E as luzes se embaralham, confundem meu olhar.

Que presente de mal grado seria este quadro mal pintado. Fecha os olhos, pensa melhor, pinta melhor, cadê a ti n  ta?

A

q

u

 i

Minha cabeça dói.

Acordei quase inteiro, procurando os lábios tão macios quanto meu travesseiro, mas a torcicolo gritava por noites mais bem dormidas. Que lembrança esquisita de achar que havia sentido um olhar me observar enquanto dormia. Que pesadelo, que euforia!, alguém realmente me observava no espelho enquanto eu dormia. Não podia ser, não era real; estava eu me deixando levar por um pensamento irracional? Era uma impossibilidade de texto por não haver pretexto. Era um sonho. Era uma maratona de pessoas em coma, uma ala de hospital.

Fecha os olhos, respira… Calma, calma.

Era eu, só eu. Bêbado, que se perdeu em pensamentos cinzentos, deixando-se levar pela falta de embasamento da realidade contida na sobriedade. Ainda está escuro lá fora, cadê meu celular? Nenhuma mensagem dela. Ainda estou sem futuro, e sem ela para conversar. Engraçado como era sempre ela que me ajudava na procura quando eu precisava me encontrar. Que clichê que cai, só percebendo o que perdi quando a mandei embora, muito embora ainda ache que alguma hora vou repetir o erro e piorar as coisas. Como é estúpida minha cabeça quando quero me resolver e o amor não me deixa progredir.

Quero entender como quero alguém que não quero, quero entender como sou sincero a mim mesmo e mesmo assim me desespero numa nostalgia de afetos, como reinterpreto Eu por Nós em meus pretéritos como se minhas memórias não fossem somente minhas para lembrar. Procuro respostas sob a luz do luar, querendo saber por que tudo girava sem parar, mas o silencio de bom grado ocupa por inteiro este lugar.

Estou só, comigo mesmo. Que assustadora realização.

Sinto que meus desejos não estão sendo atendidos, que alguém anda castrando minhas estrelas cadentes. Ou seriam decadentes? Decadentes sou eu, não as estrelas. Sinto a dor que sentiu o primeiro poeta que viu a beleza de sua amante refletir as estrelas. E apenas o primeiro, pois os segundos eram plagiadores baratos e ingratos às suas influências.

Que burro que sou. Ressentimento é um cruel sentimento, e eu não aguento senti-lo mais. E se eu dissesse-lhe como me sinto? Escrever-lhe em palavras o caminho para fora deste labirinto que me coloquei, para ela me encontrar no centro e me ajudar a traçar o caminho de volta para o lugar onde sempre confiei residir à paz.

É…

Sabe, as palavras correram de mim, e as tuas me prenderam ao chão. A liberdade foi colisão. Viciei em bebidas, ódio e pseudo-solidão. Racionalidade já não me é opção, e vejo que nem a emoção é escolha minha mais. Digo isso porque me desfiz de algo tão precioso que, ao perder, logo fui atrás. Não quero você ao longe, sabendo agora a falta que me faz. Estendo aqui a mão procurando teu toque, então não me fotografe com teus olhos lindos com um intencional desfoque. Parei sozinho para lembrar o que passou despercebido: este futuro que estraguei, que continha teu carinho e teus sorrisos. Mas embrulhei já aquela noite com minhas garrafas e copos e joguei-a do alto do meu edifício. E lhe digo: é difícil manter-se atrelado a ti, pois tivemos momentos que me atingiram como sendo impossível de viver e reviver, mas que possivelmente devo impor a mim mesmo de acreditar que há um jeito de continuar a crer que o benefício desta relação não é um fictício encanto que expirou por passar da data de validade.

Ao bater a porta e ir, você levou consigo a gravidade e deixou meus pensamentos flutuando em um vácuo inóspito que me fez questionar minha própria sanidade, e não faz ideia do quanto dói saber que não temos mais essa cumplicidade de sempre, e que a culpa é minha. De tempo em tempo vinha o medo: esse medo de se amedrontar. E ver essa bijuteria por vezes claustrofóbica no dedo só me incentivou a indagar mais sobre onde coloco minhas metas pessoais na vida a dois. E eu te imploro por me ajudar a organizar agora o que virá depois; não só entre nós dessa vez, mas comigo. E eu prometo retribuir o favor pensando o que virá contigo também. De mim nascerão asas, e das asas um plural; e como um anjo ao teu lado, te livrarei de todo mal.

Não levo tuas crenças a sério, mas confesso que me entretenho por todo o mistério que ainda perdura o que há além. E fazem bem, ao menos em você. Prometo de esta vez procurar entender o que você entende, mas não prometo entender. Mas acho que está de bom tamanho, para uma cabeça que só compreende o que está a sua frente e nada mais. Sabe, por tanto tempo pude voar facilmente, mas a puberdade atrofiou todos os meus superpoderes. Evoluí do sonho à realidade, e agora para voltar a sonhar devo obedecer a tantas formalidades, e chega a ser chato. Mas admito que as vezes você me leva a um lugar que não limita-se ao que há de se olhar, recheado de sentimentos com gosto de infância e palavras que desconhecem a nuança entre uma pálpebra carregada de sonhos e o olhar infindo do mundo palpável a minha volta.

E sua beleza de realeza, que já poetizei com tanta estupidez ao estar entretido por sua boca e por sua falta de roupa que não havia espelho, nem câmera, nem relances alheios, nem nada, que pudesse ver-te de maneira tão perfeita quanto meus olhos apaixonados com você iluminada sob o holofote intenso da lua; e que nem eu pudesse crer ter encontrado você, minha musa.

E eu me desculpo por tirar o azul do teu céu por uma noite. Já escondi minha memória do ocorrido para não lembrar mais onde ela está. Mas não te peço para esquecer também, peço para me perdoar, ou pelo menos tentar ver se pode me amparar de meus tormentos solitários com tantos dias lindos a fabricar ainda. Não deixe o tempo te envolver com a saudade que o luar vazio lhe traz, deixe-me te envolver com meu olhar e te lembrar de que você não precisa de nada mais além do que o que tínhamos, eu e você sob o brilho do luar.

Não minto ao dizer que agora sou um anjo, e que me escondo atrás de suas preces, aquelas tão difíceis de escutar. E de agora em diante, sempre que eu ouvir meu nome em uma delas, minha sombra não terá lugar para apoiar.

Farei de mim um anjo que retrai realidade para voar.

E com essa carta em minha mão, te esperarei em nosso lar,

onde cada piscada será eterna como horas a passar, e

aqui

jaz

o nosso

amor,

e além daqui

eu espero

te encontrar…

 

(E do alto de um prédio, ele tentou voar.)

O Sub-Término do Consciente (Parte I)

29 nov

por Caio Graco Madeira

O sub-término do consciente ocorreu durante um jantar à luz de velas com comida congelada servida a dois, preparada às pressas pelo namorado. O apartamento, no 8º andar, era pouco mobiliado e a mesa balançava com o sobrepeso da comida em um dos lados. A música que impulsionava o clima era o incessante andar do cachorro hiperativo do vizinho de cima. A namorada sentada no canto da mesa pensava estar em mais um encontro com seu namorado, enquanto o namorado no outro canto chamou-a aquela noite para terminar o namoro.  

A história a seguir se passa no fundo da mente do namorado durante o término – mais precisamente na ponte que liga o consciente e o subconsciente, narrado por um pensamento que leva a outro, que vem de outro, que lembra outro, mistura-se a outro e forma outro, podendo deformar outro ou a si próprio antes (ou depois) de se apresentar ao consciente. E a consciência não é necessária no fundo da mente de quem se deixa levar, conscientemente, pela inconsciência. Por este motivo, não confie em tudo que lê como sendo tudo que ouve ou tudo que falam. Mas desconfiar de tudo seria um erro ainda maior. 

A história a seguir começa exatamente um segundo antes do término, atinge seu clímax no ápice do sub-término da consciência e termina além da vida que é narrada, e nada além disso.

ismael-nery-agonia-1931

Ismael Nery (1900-1934) Visão interna – Agonia, 1931. Óleo sobre tela.

…desfaça seu olhar ou vou ter que me exaltar.

Essa expressão em teu rosto, tão leve e bela, amargura o meu. Sei que teu amor ainda vive, mas o meu já pereceu. Esse teu olhar apaixonado faz meu corpo tremer e meu pulso fechar, enchendo-me com uma vontade pulsante de te estrangular. Como pode manter a beleza em seu rosto a me ver sobrecarregar? Comparo-me a um leão mirando ao longe uma jugular, com motivação instintiva incendiando o olhar. Fiz-te um jantar, que sem tua presença estaria congelado, intragável, assim como seu amado namorado que lhe dirige palavras em meio de um pestanejar não tão bem pensado, usurpado de forma e com emoção instável,

eu me sinto incontrolável,

…deslocando meus pensamentos para um assunto que não havia sido nem ao menos comentado durante a mesa, levando-me a agonizar com diálogos isentos de qualquer valor à sanidade que por tanto tempo me fora proporcionada – porém não tão bem calculada – e que, com o tempo, achou um atalho depositado em latas, copos e principalmente taças. Taça igual a esta que seguro na mão, descontroladamente pingando gotas no chão, provavelmente devido ao tremor causado pela forte emoção de estar aqui contigo nesta noite, com pensamentos e ideias em perigosa comunhão.

E não!, não fale nada, pois sei bem como você despreza esse meu eu tão alterado, embriaga-… extasiado. Como detesta ver teu amor defronte a ti internamente violentado por um líquido que não mata a sede em uma garrafa apenas. E você pode ter certeza que essa insanidade misturada na bebida já respingou insensatez em alguns momentos de fraqueza em outras ocasiões, mas que poucos – muito poucos – perceberam que havia algo errado. Foram sempre alguns poucos respingos em ocasiões que pediam trajes secos ao invés de ligeiramente molhados, mas que todos culparam o manchado traje a um descuido com o copo que me fora dado, e que provavelmente deve ter molhado também os pobres desavisados que estavam ao meu lado, que riram de um embaraço ou coisa qualquer que possa ter causado o descuido por minha parte. Pequenos momentos são fortes como qualquer grande momento quando são repetidos em quantidade e honesto intento. Aumentam também em intensidade quando são alimentados pelo tempo que passa. Mas eu divago à sua companhia.

Esta noite, última noite, é nossa! E olha pra você…

Mesmo depois de eu esquentar o jantar e acender estas velas sob a transcendente luz do luar, você me trata como se estivesse desesperada, como se estivesse acabando todo seu ar. Então lhe pergunto: estou eu respirando todo seu ar? Não consegue tomar fôlego com minha mente a reclamar? Estou aqui a terminar!, a revogar teu acesso ao meu afeto. Estou a ausentar teu julgamento de certo e errado, pois estou cansado de vaguear contigo por anos e anos a fio, sentindo que estou me despedindo de meus próprios aniversários no caminho.: estou sentindo o tempo deformar!, captando o instante com um relógio quebrado que não sei consertar – e que muito menos posso pagar por um conserto, pois vivo num rotineiro anti-deleito em nossos encontros que me toma a vida inteira, fabricando calendários anuais diariamente, cada um com um ano diferente e com os feriados ausentes para descansar;

Ou até pior: Todo minuto que passo contigo é dois de janeiro do ano seguinte, onde volto de carro num engarrafamento na estrada, relembrando à força de todos os compromissos que havia pendurado no varal do esquecimento antes de ir celebrar um novo ano na praia, otimista no réveillon. Dois de janeiro, onde passo por acidentes rodoviários e tenho meus devaneios imaginários cortados por buzinas de caminhão, enquanto tento – mesmo que por um momento – sentir mais uma vez meus dedos do pé carinhosamente enterrados na areia e ter meu mundo focado apenas nos desenhos barulhentos que fizeram os fogos de artificio na noite anterior. Mas, assim como nosso amor, é apenas possível lembrar o que passou e impossível sentir de novo – pois você me prende num presente amargo filtrado por pensamentos de um passado nostálgico. O tempo contigo vai longe e me envelhece, e você esquece que eu como comida congelada todo dia e vou morrer cedo

…e não é sua vez de falar!

Não há diálogo neste monólogo a dois. O que tenho a dizer não foi construído esta noite, sabe? Meu delírio foi arquitetado nas madrugadas em que a insônia deixava minhas pálpebras acorrentadas à inercia de um quarto escuro, conduzindo meu pensamento inquieto e intrigado pelo meio como o amor preenche o vazio que, agora, se alimenta do meu ânimo; e que não parece dar-se nunca como satisfeito. Está noite é apenas a culminante explosão de algo que se amontoou em meu peito e, dito e feito, aqui estou. Minha cabeça sobrecarrega afoita sobre meu fino e exageradamente comprido pescoço toda a originalidade do nosso amor, que por um tempo até nos serviu de um apertado cobertor neste intranquilo mundo frio; mas que agora não parece ser nada mais do que um esboço de um projeto recíproco e indolor, fadado a se contentar com a bruta realidade de se encontrar num dolorido passado sem cor.

Mas ainda assim, para mim, este término é o mérito de uma busca pela harmonia de dois corpos que servem como depósitos de emoções, e que buscam um traço recíproco de passados sinuosos e presentes afagáveis – em busca de um futuro perfeito. De duas mentes que não mentem, ou pelo menos não mentem tão bem quanto suas bocas parecem deixar aparente ao beijarem-se de maneira fosca, de modo que possam suprimir o difícil comprometimento das palavras que devaneiam em pensamento ciumento e duvidoso ao longe, mas que é frenético e animalesco de perto – e apenas de perto. Fervoroso a ti, ruidoso a mim, e vice-versa, num ciclo que segue tanto rumo quanto o alheio entendimento da vida após a morte por pessoas ainda vivas, no qual ainda me falha o entendimento. Se não há como descrever a vida de modo fiel, como crer nos detalhes que entendemos da morte? Parece inacreditável para mim, inaceitável até, mas não parou você de tentar me fazer entender o que há após o fim, e ainda logo no começo do relacionamento!

E eu, que fingi aceitamento aos seus entendimentos; o que isso diz de mim? E é por isso que não te culpo ao se surpreender com este término, pois sempre diante do divino, acaba esquecendo-se da realidade. Passa a vida em constante preocupação com o que há depois da fatalidade, com toda essa religiosidade sufocando tua jovialidade, que até se esquece de se preocupar com a infinidade de momentos que lhe escapam a sua frente, que se perdem com o lento reinvento de um momento mais interessante vindo da minha parte, quase sempre. Entende o mérito que vejo no término? Jogamos-nos intérritos a uma incerteza e nos julgamos certos por todo o tempo, isentos de preconceitos, buscando um entendimento maior do que “o que pode estar observando o olhar que estamos observando olhar a nós”, e chegamos a isso: um vestígio de um amor que pareceu propicio a todo o momento e que, neste momento, estou botando um ponto final.

Não sou bom moço, tuas lagrimas molham apenas teu rosto. Aliás, mentira. Elas salgam também a comida e brindam com o desgosto, que me faz perceber que o gosto do álcool é como poesia, como maresia: É como se a plenitude do Amor descansasse à margem da praia, com cada grão de areia representando um Amor entre duas pessoas em qualquer parte do mundo. E nosso Amor tão profundo, grão de areia único, vivendo junto a outros grãos por tanto tempo seco, afogou-se ao ser levado pela correnteza forte, levando nosso Amor e outros grãos de areia a um outro lugar, desacatando-os bem no meio de uma vida pacata de observar vôlei de praia e crianças e castelos e mulheres lindas com biquínis pequenos, além das diárias de um cinema belo em uma tela ao horizonte que tem sessões às seis da manhã e da tarde… e levando-os a uma viagem forçada a um mundo mergulhado em hostilidade, submetendo os grãos submersos a uma visão desprivilegiada da que tinham anteriormente, vendo agora apenas uma imensidão azul onde o sol mente sua beleza com uma distorcida iluminação difícil de encantar ao ser vista do fundo do mar. Porque você insiste em brincar de mar é o motivo pelo qual eu não consigo mais te amar.

Não consigo erguer a cabeça para respirar, só consigo perder a cabeça ao sentir você me afundar. Não consigo ter certeza do chão que piso, e sinto isso já faz meses. Não consigo nem mais olhar você como olhava antes, com críticas observações peneiradas em sorrisos enamorados e confiança e encanto, fotografada em casamentos da realidade com a minha imaginação. Já se foi o tempo que a via como rotineira ambição, e meus olhos agora buscam de sua imagem uma sofrida emancipação. Vejo-me como veria um documentarista amador que percorre os fatos que alimentaram nosso falso amor até ter uma indigestão, vomitando tudo pra fora e morrer por inanição. Agora é a hora de se desfazer; de fazer desaparecer uma angústia que botou uma máscara antiga, que tão precocemente chamamos de amor; e será que devo parar de falar? Será que deixei meu ponto claro? Nem falei sobre querer minha liberdade. Ela está abrindo a boca, ela vai tentar rebater, vai falar de mim, o que vai ser? Vai me quebrar, vai me contradizer, vai querer partir pra cima e me bater, jogar pratos, vai.

Ela se levantou e começou a falar.

Movimento Realista, parte I

10 jan

O Movimento Realista na França tem seu enfoque histórico na primeira metade do século 19, movido pelas grandes revoluções do século 18, valorizado em parte pelo Romantismo Histórico (*) que floresceu através da literatura, música, pintura e do teatro. Também foi fruto da crise do Neoclassicismo nas primeiras décadas do século 19, findando com as perdas do movimento operário à entrada dos movimentos de vanguarda.

O século 19 foi positivista nos territórios de controle jurídico e médico, inseriu o Romantismo Histórico de Victor Hugo (1802-1885), Dostoiévski (1821-1881), entre outros, e interferiu no Realismo de Delacroix (1798-1863) e Courbet (1819-1877) ao resgatarem os populares e a presença de mulheres nos processos de lutas e transformações. Vide a famosa Marianne na obra de Delacroix, A Liberdade guiando o povo, de 1830, reinventada no Realismo Político do pintor brasileiro Gontran Guanaes Netto, em 1989, nos 200 anos da Revolução Francesa.

Delacroix, a liberdade guiando o povo, 1830
Eugéne Delacroix (Saint-Maurice, França,1798 – Paris, França,1863) Óleo sobre tela, 2,60 m x 3,25 m. Louvre, França.

A mulher partícipe dos Direitos Humanos, a partir de 1789, vem das ruas, do povo, do público e não dos retratos de nobres. Mesmo não sendo obras pintadas por mulheres há destaque de suas participações.

Gontran-Guanaes-Netto, 1989 A liberdade guianando o povo, 1989.
Gontran Netto (1933-2017) A Liberdade guia o Povo, 1989. Óleo sobre madeira, 2,0 x 2,0 painel I – Marianne. Metrô São Paulo, estação Marechal Deodoro.

No Brasil, o Romantismo foi disseminado em meados do século 19, na literatura e no teatro de renomados à uma clandestinidade própria da cultura popular. No âmbito do teatro, a mudança dos atores negros escravizados que se mascaravam de brancos, por ser um ofício pouco valorizado. Vieram companhias importantes como de Sarah Bernhardt (1844-1923) e Eleonora Duse (1858-1924) que se apresentaram em francês e Italiano nas altas rodas da Monarquia à República, ou seja, apresentações quase particulares. Quando aberto ao grande público:

Um grande teatro… murmúrios ininterruptos na platéia e nos camarotes, do princípio ao fim da peça… sem falar nas dificuldades da lingua italiana, ao lado dêsse português tão rude, e do brasileiro ainda pior… (Eleonora Duse. IN:Abreu, 1958, 14)

De meados do século 19, às duas primeiras décadas do século 20, houve a transformação de alunos Neoclassicistas e do Academicismo histórico, para os caipiras, os violeiros e os picadores de fumo; seguido por uma virada vanguardista conhecida como a Semana de Arte de 1922, em que o Movimento Modernista assumiu elementos dos movimentos da vanguarda europeia e agregou aos valores culturais brasileiros, o nacional (antropofágico) e o internacional vanguardista.

O Realismo ligado ao movimento operário no Brasil ecoou na década de 1930, através de Di Cavalcanti (1933), embora o nome de Lívio Abramo, anteceda com suas gravuras de militância e preocupação social:

É ele o primeiro artista, ao que se saiba, a transpor para xilo o tema da luta de classe: o operário na fábrica, o operário coletivamente em protesto, a velha fábrica de tecidos com o seu perfil recortado, grades e chaminés erectas como uma infantaria em face do inimigo e em volta… o casario operário, em grupos…como troços emboscados de assaltantes (guerrilheiros)… (Amaral, 2003, 33; 38)** 

Logo, Portinari despontou em meio aos operários, camponeses e antifascistas aglutinados na Aliança Libertadora Nacional de 1935, tornando-se o pintor histórico do Brasil do século 20. (Amaral, 2003, 60). No México, o Muralismo (Realismo) de Rivera, Orozco e Siqueiros.

(*)Final do século 18 e início do século 19, o Romantismo histórico abarcou a pintura e a ressurreição Gótica ou Neogótico (verticalização das igrejas; a primeira fase Gótica se deu entre os séculos 13 e 15). O Romantismo deu sinais de seu esgotamento em meados do século 19.

Romantismo tem uma face demasiadamente histórico-filosófico via tese de doutorado de Walter Benjamin (1917-1919) – a partir dos pensadores Novalis e os irmãos Schelegel. Com eles, a discussão sobre ´cartografia dos conceitos´, através do Romantismo Alemão, tais como: “aura, modernidade, reminiscência, reflexão” (via conexão e não continuidade), entre outros. A primeira fase desse Romantismo: entre ´a religião e a revolução´, ´crítica e crítico´, ´ideia e ideal´, ´prosa e poesia´. Tb. – ´obra inacabada´-, ou seja, ´ o devir´; conceito conduzido com traquejo pelos filósofos Deleuze & Guattari.

Na perspectiva histórica do Romantismo encontram-se também: autonomia das nações; povos com suas realidades geográficas, históricas, religiosas e linguísticas; experiência vivida e a genialidade artística. No Brasil dos 1800, há forte influência dos trabalhos de Goya, Delacroix, Turner, Rodin sobre a arte de Araújo Porto Alegre, Rugendas e August Miller.

Cabe a sugestão fílmica: François Truffaut, ´A história de Adèle H´ (1975), sobre a vida e a morte – o amor que vagueia na insanidade. Adèle era a filha mais nova de literato Romântico Victor Hugo. Truffaut, brilhantemente roteirizou, a partir do diário de Adèle e dirigiu essa película, desde a sua concepção artística literária até a composição cenográfica da época (1863). Adèle Hugo é vivida pela atriz francesa Isabelle Adjani.

V. também: NAPOLEÃO (filme/ IV partes/ produção HBO), sob direção de Yves Simoneau. França, 2002, 369 min. Atores de primeira linha: Christian Clavier, notável Napoleão; Isabella Rossellini como Josephinnne, além de Gerard DepardieuJohn Malkovich.

Dos séculos antecedentes ao Romantismo Histórico, ou seja, 17 e 18, ARGAN 1992: as divisões dos conceitos Clássico X Romântico. Também, Romântico no Medievo, do Românico ao Gótico e no Barroco- em oposição ao Clássico e Neoclássico.

(**) Sugestão da Exposição: Livio Abramo, Insurgência e Lirismo na Biblioteca Mário de Andrade/SP de 7 dezembro 2016 à 12 março 2017. Curadoria e Pequeno Guia de Leitura por Paulo Herkenhoff (Org.) e Leno Veras.

Referências:

AMARAL, Aracy. Arte para que? São Paulo: Nobel/ Itaú Cultural, 2003

ABREU, B. Eleonora Duse no Rio de Janeiro (1885-1907) Rio de Janeiro: MEC, SNT, 1958.

BURKE, Peter. (Org.) A Escrita da história: novas perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Paulista, 1992.

GONTRAN Guanaes Netto (entrevistas-vídeo a Gisele Miranda): 04, 11 e 18/12/2002; 12/02/2003; 15/01/2003; 15/03/2003; 07/01/2005; 24/04/2005; 08/06/2006.

HOBSBAWM, Eric J. (1917-) Sobre história. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão; Irene Ferreira & Suzana Ferreira Borges. 2 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. (coleção Repertórios)

Série Ficcional H. Miller XXI, parte II: “a traição das imagens”

7 abr

por Lia Mirror & Laila Lizmann

 

 Às vezes acho que nasci com fome. E essa fome está associada a caminhadas, à vagabundagem, à procura, ao incessante e febril perambular de um lado a outro.

(MILLER, 2003, p. 27)

Antes de Turner, Miller dissertou sobre Bosch: – As laranjas da época de ouro de Bosch restabelecem a alma: a atmosfera onde ele as suspendeu é eterna, é a do espírito tornado real (Miller, Big Sur: 43). Objetou por alguns segundos e tão logo referendou: o desejo de liberdade é um desejo de um condenado! (Miller, 2003, 114)

Joguei a toalha, mas ele a interceptou no ar e continuou: – as laranjas de Bosch ou as de Van Eyke, as maçãs ou os cachimbos de Magritte? Nada acontece pelo conforto, mas pelo boicote a estabilidade que aprisiona o pensamento. O que a trouxe aqui? Falar das frutas ou do fálico cachimbo? A liberdade, a dor, as cicatrizes? Ou a solidão de Goya em sua série Gigantes, Colossos? Seu assombro por minhas palavras permeia os incorrigíveis deleites do Romantismo de Madame Bovary, Anna Karenina e Adèle Hugo.  Recordo a bela Fanny Ardant ao falar de A mulher do Lado: – “Eu me lembro que Truffaut dizia que essa era uma história atual… pode-se morrer de amor mesmo hoje em dia”.

René MAGRITTE (1898-1967), A traição das imagens (Isto não é um Cachimbo), 1929. (a primeira versão é de 1926)

– Pretensioso Milller! Não falei de Tolstoi, Flaubert, Magritte, Bosch, Rimbaud, Goya, Truffaut ou Foucault. São todas elucubrações suas! Tu desejas que todos esses pensamentos estejam em mim. Morrerei de amor em seus braços deleitando-me em gozo. Gozo por todos os olhares que não quis olhar, por todas as bocas e sexos que não desejei pela ausência de afinidades eletivas do bendito Goethe.
– Minha doce Lia: “A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível.” (Foucault, 1990)

 

Referências:

CARDOSO JR., Hélio Rebello (Org.) Inconsciente Multiplicidade: conceito, problemas e práticas segundo Deleuze e Guattari. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

FRANCO JR. COCANHA – a história de um país imaginário. Prefácio Jacques Le Goff. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

FOUCAULT, Michel. O pensamento do exterior. Trad. Nurimar Falci. São Paulo: Princípio, 1990.

FOUCAULT, M. Isto não é um cachimbo. Tradução Jorge Coli. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 2ª Edição. (Neste livro Foucault trabalhou com a primeira versão de 1926)

MILLER, Henry. Big Sur e as laranjas de Hieronymus Bosch. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

MILLER, Henry. Pesadelo Refrigerado. São Paulo: Francis, 2006

MILLER, Henry. A hora dos assassinos. São Paulo: Francis, 2003.

ARDANT sobre TRUFFAUT:  Fanny Ardant. (atriz foi casada com o François Truffaut)

Série Ficcional H. Miller XX (final I): “o segredo dos seus olhos” (*)

4 nov

por Lia Mirror & Laila Lizmann

E para o rebelde, mais que para todos os homens, é necessário conhecer o amor e dá-lo ainda mais que recebê-lo, e ainda mais que dar, ser o amor.  (Henry Miller, A hora dos assassinos, 2003)

Os braços erguidos e a contagem dos segundos. Pergunto-me se terei asas, nadadeiras…: “Dois, um…”. Prendi a respiração e fechei os olhos para pular.  Contei novamente os segundos e perdi a conta por não querer saber do tempo. Nem mesmo a memória interferiu; vivi a experiência sem a ingerência dos enquadramentos.

Experienciei as vanguardas e subverti as regras num bom salto em alto mar. E nesse exato instante, Miller envolveu-me com a permissão de Iemanjá. Flores foram surgindo em meio aos pentes, grampos, fitas, batons. Eram bocas que diziam palavras inscritas em borbulhas.

Nelson Leirner (São Paulo, SP, 1932-Rio de Janeiro, RJ, 2020), Caminho de Santos, 2008.

Apesar de tanta beleza, logo fiquei surda. Uma euforia do agouro se personificou no Deus da Carnificina, mas o medo não emergiu.  Cheguei a ver o sangue, as vísceras e os rompantes. Pensei imediatamente em Miller. Mas não entendi a máscara da aproximação. Uma promiscuidade em disfarce de liberdade que provém da masculinidade de séculos de dominação. Encarei essa disfarçada figura e ela se foi com medo de mim. Então, não era H. Miller!

Em passos largos caminhei até o restaurante, pois era hora de sentar-me a mesa com seu Alberto. Todos os dias no almoço juntos em nosso silêncio que perdura com o adentro de sua invisibilidade que resgatei através de Hades. 

Senti que o seu Alberto estava eufórico no silêncio. Não era uma habitualidade, mas ignorei como um cotidiano almoço; até que ele me disse: – “você é…”. Disse-me tantas coisas que poderia transcrever páginas e páginas. Ouvi e quando procurei os seus olhos não consegui enxergar.

Ninguém enxerga os intensos gestos do seu Alberto.  Ele é tão complacente que chego a envergonhar-me diante dele. E sei, que é nesse momento que eu não o enxergo. Nem mesmo escuto os insurgentes a mesa. No instante que pensei isso, ouvi:

Lia eu a lerei por todos os momentos que me subornei; lerei como sempre desejei e nunca fiz.

Não ergui os olhos, nem mesmo dei importância a fala adjacente, embora tivesse reconhecido o som de sua voz. Encarei como uma voz do além, uma alucinação por ter escapado com vida do Deus da Carnificina.  Dei por mim ter ouvido uma fala inexistente, então prendi novamente a respiração; durante esse processo passei a ouvir inúmeras vezes o seu Alberto dizer: É um prazer Henry Miller… É um prazer Henry Miller… É um prazer Henry Miller… Como um disco arranhado.  

Voltei a respirar! E ouvi pela última vez: “- é um prazer Henry Miller!”  Nesse instante vi os olhos do seu Alberto e vi “o segredo dos seus olhos”, H. Miller!

Referências:

(*) O Segredo dos Seus olhos. Direção Juan José Campanella. Espanha/Argentina, 2009, 127 min.

Sobre o artista Nelson Leirner http://www.nelsonleirner.com.br/

CARDOSO JR., Hélio Rebello (Org.) Inconsciente Multiplicidade: conceito, problemas e práticas segundo Deleuze e Guattari. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

MILLER, Henry. A hora dos assassinos (um estudo sobre Rimbaud). Trad. Nilton Persson. Porto Alegre: L & M, 2003.

Deus da Carnificina. Direção Roman Polanski.  Carnage, Polônia/Alemanha/França/Espanha, 2011, 80 min.

30ª Bienal de São Paulo: Os fios tecidos de Arthur Bispo do Rosário

21 set

por Gisele Miranda

A Bienal se reencontrou com as obras de Arthur Bispo do Rosário (Japaratuba, Sergipe, 1909? – Rio de Janeiro, RJ, 1989) e, desta vez, sob curadoria de Luis Pérez-Oramas (Caracas, Venezuela, 1960 -).

Pérez-Oramas foi incisivo em sua “iminência das poéticas” e nas vozes diferenciadas que ecoam. Esse é o elo, o fio de Bispo (outrora de Ariadne) que fia e desfia na arquitetura de Oscar Niemeyer. Se Babel, labirinto ou oceano, as vozes apresentam-se  em um “ensaio polifônico”.

Em meio a isto, Bispo surpreende. Foi alvo da limpeza social, escapou da lobotomia e conviveu sob preconceitos, mesmo que isso não estivesse claro para ele. Melhor assim, bastavam as vozes de sua esquizofrenia, já que as vozes do Estado e da sociedade só o discriminavam.

Superação com sentidos variados inclusive pela escrita de Rodrigo Naves quando relacionou a vida de Bispo (e de muitos outros artistas) às dificuldades gritantes de nossos atletas, visto pelo histórico dos jogos Olímpicos e Paralímpicos. Disse ele:

Um país tão permeado por desigualdades como o Brasil produziu um sem-número de artistas e atletas – acho interessante aproximá-los de origem pobre que encontram um modo de superar as adversidades sociais por meio e maneiras muito diferentes de expressão. Se a injustiça social não encontrou entre nós – ao menos até os anos 80 – uma resposta política efetiva, parece fora de questão que artisticamente nosso meio cultural seria muito menos rico sem a contribuição daqueles que teriam tudo para permanecer silenciosamente à margem. (1)

De fato essa correlação é muito oportuna. Alguns superam “a margem” quase como um milagre. Para o descrente, a revolta e a certeza que muitos ficaram pelo caminho.

Arthur Bispo do Rosário (Japaratuba, Sergipe, 1909? – Rio de Janeiro, RJ, 1989) **

A 30ª Bienal foi tomada pelo fio e desfio de Bispo do Rosário – o des- A- fio de suas vestimentas, das palavras bordadas e alinhavadas aos pensamentos. Bispo é nosso Oceano Atlântico. Nele Bas Jan Ader  (1942 -1975) continua vivo no encanto performático e mítico de seu desaparecimento. (2)

O oceano Atlântico que expurgou o marinheiro-artista Bispo do Rosário é o mesmo que sugou o artista-marinheiro Bas Jan Ader – se atermos sobre “a falha, a queda, o risco… e a finitude da vida” (3) – elementos intrínsecos a curadoria sem estrelismos de Pérez-Oramas; “clean” para a maioria crítica, mas com a consciência histórica das Bienais desde 1951, às oscilações da 29º Bienal em meio as controvérsias da”pichação e do vazio”. (*)

Neste oceano há fios, redes conectados na arte têxtil de Sheila Hicks (1934 -), “rejeitando os limites tradicionais que separam a arte, artesanato e design”, seduzida pelos cantos inebriantes da “tecelagem das Américas do Sul e Central” (4).

Michel Aubry (1959 -) também içado pelo fio, costurou “mobílias, instrumentos, tecidos…” como mantos históricos e com seus “sintomas políticos e sociais” (5). Em um dos mantos  – um”sobretudo” – Aubry imprime traças à visão de tragédias e intolerâncias de um passado recente e numa taxidermia com linhas e agulhas.

Bispo alinhavou com outros artistas, cortou, fez e desfez no “risco” de Bas Jan Ader à preponderância das texturas, dos tecidos e tons, visibilidades geracionais em consonância a identidade e a coletividade através das fotografias de Hans Eijkelboon (1949 -), na moda dos anos de 1970 e 1980 do Studio 3Z , de August Sander (1876-1964), entre os 111 artistas da 30ª Bienal de São Paulo.

Muitos tecidos, muitas costuras, muitas experiências. Muitas linhas e agulhas. Por quê? – Há uma amplitude e complexidade do tema. [6]

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Notas:

(*) 1909 e 1911 – dois registros de nascimentos.

(**)V. Bienais de Arte de São Paulo: Salve, Basquiat

(1) Rodrigo Naves. Na criação de Arthur Bispo do Rosário a palavra adquire novas realidades. São Paulo: O Estado de S. Paulo. 2014.

[2] Catálogo da 30ª Bienal de São Paulo: A iminência das poéticas / curadores Luis Pérez-Oramas  {et al.}. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2012, p. 110

[3] Bas Jan Ader desapareceu “no Oceano Atlântico ao tentar atravessá-lo com minúsculo veleiro enquanto realizava a segunda parte de um tríptico chamado In Search of the Miraculous”. In: Catálogo da 30ª Bienal, 2012, p. 110-111.

[4] In: Catálogo da 30ª Bienal de São Paulo, 2012, p. 279.

[5]  In: Catálogo da 30ª Bienal de São Paulo, 2012, p. 228-229.

[6] Walter Zanini em 10 de fevereiro de 2010 – na apresentação do Livro de: COSTA, Cacilda Teixeira da. Roupa de artista – o vestuário na obra de arte. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: EDUSP, 2009.

Outras referências:

ARTHUR Bispo do Rosário. Emanuel Araújo {et. AL} Organizador e curador Wilson Lázaro. Rio de Janeiro: Réptil, 2012.

BOUCHER, François (1885-1966) História do vestuário no Ocidente: das origens aos nossos dias. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.

Catálogo da 30ª Bienal de São Paulo: A iminência das poéticas / curadores Luis Pérez-Oramas  {et al.}. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2012

DANTAS, Marta. Arthur Bispo do Rosário: a poética do delírio. São Paulo: UNESP, 2009.

HIDALGO, Luciana. Arthur Bispo do Rosário: o senhor do labirinto. Rio de Janeiro: ROCCO, 2011.