Arquivo | Emmanuel Nery RSS feed for this section

Série Emmanuel Nery VII: Velhice

9 jun

Por Gisèle Miranda

 

Historicizar a imagem em sua potência múltipla possibilita frutos pelo estímulo à memória, pelo promulgar do diálogo que conduz a instauração da documentação, da tradição, do comemorativo, do monumento à preservação e quiçá, a imortalidade.

Possibilita também que em cada tempo haja um olhar diferenciado, questionador que dialogue por entre temáticas, formas e cores. Cada obra, filha de seu tempo, mesmo que esse tempo pareça inconcebível, inquietante, irrepreensível.

Em uma sociedade de injustiças, de descaso e despreparo para absorver o melhor que a maturidade nos traz,  as instituições e núcleos familiares ainda tem um amorfo olhar sobre o envelhecimento, e no que tange às condições de vida ou aos direitos elementares da cidadania esta população é credora de uma incomensurável dívida social. (Montenegro, 1992, p. 14)

Os estímulos a construção são maiores do que os estímulos a preservação e por conta da falta de políticas públicas, entre inúmeras ações institucionais aos pequenos núcleos familiares, a velhice para muitos ainda é sinônimo de inutilidade, ou seja, o tempo transcorrido, o saber adquirido, as experiências tornam-se memórias ao lixo, do lixo dos sem memórias.

Nos percalços da velhice, aquém da questão de saúde, estão perdidos os sinais de reconhecimento, de pertencimento – a praça, o coreto, as linhas de trens, as fachadas, as ruas. A memória é uma noção que legitima como cultura vivida e na qual cada experiência passada é uma virtualidade aberta. Estendendo a dimensão da memória, estende-se proporcionalmente a da imaginação. (Argan, 1992, p. 67-68)

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003), Velhice, 1986, óleo s/tela 60 X 50 cm

A tríade que aparece representada na obra de Emmanuel Nery – duas mulheres e um homem marcam ao primeiro olhar social, a morbidez dos corpos quase derretidos pelo tempo.

O idoso não é assexuado, pulsa-lhe vida, portanto, desejos. E, por outro ângulo, o pintor não deve educar somente os olhos, é alma sobretudo tornar capaz de pesar. (Leclaire, 1996, p. 65)

A cor é uma preponderante nos trabalhos de Emmanuel Nery, por isso, cabe o destaque da cor branca, que age em nossa alma como silêncio absoluto. Esse silêncio que não é morto, ele transborda de possibilidades vivas. (Kandinsky, 1990, p. 89)

Apesar da cor branca praticamente inexistir em seus trabalhos, o pouco inserido em seus quadros referenda o tempo – o tempo passado. Vale o destaque de parte do poema Branco de Emmanuel Nery:

Luzes brancas,

Que não iluminam

– Só clareiam.

… Branco estéril.

…Branco da máxima produção.

Sem trabalho

Ou lazer.

… Branco asfixiante.

…Nos brancos

Vazando as últimas cores.

(Nery, 1987, p. 86)

Referências:

ARGAN, G. C. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

KANDINSKY, N. Do espiritual na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

LECLAIRE, S. Psicanalisar. São Paulo: Perspectiva, 1986. (Coleção Debates, 126)

MONTENEGRO, A. T. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, 1992. (Caminhos da História)

NERY, E. Forças Contrastantes. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

Série Emmanuel Nery VI: Imagem feminina

8 jun

Por Gisèle Miranda

 

Prostituta é uma imagem forte, dir-se-ia em sua plena sexualidade e explícita de sua anatomia feminina. Uma pintura gestual, mas criteriosa e reminiscente. Libidinosa, dolorosa e tematicamente histórica.

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003), Prostituta, acrílico s/ tela 55 X 46cm, 1986.

Dos registros…  mais de três mil anos de serviços (1) e fins variados entre a pobreza,  desemprego à falta de privilégios. É sabido que as Damas das Cortes passavam por refinamentos e eram induzidas a prestarem serviços, inclusive de espionagens. Os castigos oscilavam entre prisões, mortes por afogamentos e sufocamentos com excrementos (2).

A livre vontade muitas vezes teve o caráter ambicioso que determinou pensamentos estratégicos de guerra e poder. Também, aquelas que inverteram sua condição – surgidas da obscuridade à luz da Santa Igreja, tal como no caso de Teodora. (3)

A Prostituta foi adquirida pela Sra. A. J.  que outrora entrevistei para um trabalho específico, e agora, preservo sua identidade utilizando apenas as siglas.

A. J.: “Saí da exposição com a idéia… eu tenho uma prima artista… mais moderna, mais ousada! Vou falar para ela comprar esse quadro…. Quando eu cheguei na esquina, eu pensei: se é lindo para ela por que não é lindo para mim? Eu já estava na esquina e voltei! E ao conversar com o artista… ele falou… é uma mulher quebrada. Ele a amou. É um quadro cheio de força, cheio de energia, chama atenção! Uma aceitação da parte dele!” (Depoimento de A. J. à Gisèle Miranda, em 1995)

A. J. ficou surpresa com a beleza do imperfectível. Da mulher quebrada. Imperfeita e amada pelo artista. Tornou-a musa. Imortalizando-a? Sim, uma prostituta, a Prostituta do artista Emmanuel Nery.

A.J.: “Meus filhos – Tem essa coisa pendurada! …acham que eu ponho aí de birra… meu pai também me deu um quadro de presente. Na condição que não ficasse na mesma sala que desse aí. As amigas não comentam nada. Mas chama atenção…” (A. J., 1995)

A. J. fez o possível para ser filha, esposa e mãe perfeitas. Mas ela se descobriu com imperfeições diante da moral de seus filhos e pai. Viúva, sentia apenas a liberdade de viver seus erros, seus desejos. Como um desafio e a constatação de sua força que surgiu a partir da pintura Prostituta.

Para o artista Emmanuel Nery a satisfação da venda de Prostituta:

“… a venda mais fabulosa, a mais inesquecível. Eu tenho um retrato dela, uma senhora… ela entrava, saía… e por fim comprou o quadro, porque era a antítese dela. Foi incrível!” (Entrevista de Emmanuel Nery à Gisèle Miranda, 1991)


(1) Murphy, E. História dos grandes bordéis do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1994. 261.

(2) Quando a sífilis se alastrou no séc. XV na Inglaterra. Ou, talhavam-lhes os rostos na França, a partir de 1619, séc. XVII, nos reinados de Luis XIII e XV, sendo eles apreciadores de bordéis e prostíbulos, tanto que anexaram ao Palácio de Versailles.

(3) Em 527 d. C. casou-se com o Imperador Justiniano tornando-se Imperatriz. Quando morreu, tornou-se Santidade diante da Igreja Ortodoxa.

Série Emmanuel Nery V: Ismael Nery (2) e sua essência tríade

27 maio

Por Gisèle Miranda

A Essência Filosófica e o Surrealismo encontraram na Circularidade do Um, do Dois e do Três, assinado por Affonso Romano de Santana para a Dan Galeria, em 1991, ou seja, a textualidade tríade, a partir de 65 desenhos de Ismael Nery entre 1912 e 1923. (1)

Nessa Circularidade estão: narcisismo, erotismo e melancolia. Ismael Nery desenhava, pintava e escrevia, a partir do ego filosófico e do culto grego de virilidade e idealização do corpo, além da dubiedade do feminino e masculino, ou seja, a beleza feminina com traços do masculino – Adalgisa e Ismael Nery.

Ismael Nery (Belém, 1900-RJ, 1934) Guerreiro, nankim/ aquarela s/ papel 20 x 30 cm, 1924

Mas o triângulo se deu a partir do poeta Murilo Mendes, amigo pessoal e inseparável de Ismael Nery. A tríade Ismael/Adalgisa/Murilo deu o tom necessário do conceito filosófico Essencialismo: que uniu catolicismo e concepção de arte (Nehring, 2002, p. 27), além de rumores sobre a relação dos três.

A tríade rompeu com a morte de Ismael Nery. Murilo Mendes foi para Portugal e casou com a poetisa Maria da Saudade. A poetisa Adalgisa Nery casou com o braço direito da era Getúlio Vargas – Lourival Fontes. (2)

Às vésperas da morte anunciada, aos 33 anos como Cristo e seu pai – Ismael Nery pediu a Murilo Mendes que queimasse toda a sua obra. Pedido não aceito; mas Murilo só trouxe a público a sua obra, após 40 anos da morte de Ismael Nery,  através  da exposição no MASP, em 1974. (3)

É instigante perceber no Retrato de Adalgisa de Emmanuel Nery (o filho), a mescla do feminino e do masculino, tal como Ismael Nery (o pai). Porém Emannuel Nery teve a independência de traços, cores e formação, além da memória construída do pai ausente.

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003) Adalgisa Nery ou Retrato de Adalgisa, 1986. Acrílica sobre tela 50 x 40 cm.

Referências:

A VERTIGEM poética de Murilo Mendes. São Paulo: Revista CULT, Ano IV, n. 46.

GUIMARÃES, Júlio Castañon(Org.)MURILO Mendes: 1901-2001. Juiz de Fora: CEMM/UFJF, 2001.

IGGNACIO, Gisele. Ismael Nery: narcisista, erótico ou melancólico? Araçatuba: Jornal Folha da Manhã, 8 jan. 1992.

IGGNACIO ou MADEIRA, Gisele. Ismael Nery em três tempos. Rio de Janeiro/ UERJ: Revista Informação Psiquiátrica, Vol. 15, n. 3, 1996. (Série A Arte de Falar de Arte)

NEHRING, Marta Moraes. Murilo Mendes: crítico de arte: a invenção do finito. São Paulo: Nankin Editorial, 2002.


[1] Ismael Nery nasceu em Belém (PA) em 1 de julho de 1900; mudou com seus pais para a cidade do Rio de Janeiro quando tinha 2 anos.  Ismael começou a desenhar muito cedo; cursou a Escola de Belas Artes e aperfeiçoou-se na Europa. Trabalhou como arquiteto-desenhista e desenvolveu um sistema filosófico denominado Essencialismo, baseado na abstração do tempo e do espaço na seleção e cultivo dos elementos essenciais à existência, na redução do tempo à unidade… (Catálogo Dan Galeria, 1991). Suas influências na pintura foram Marc Chagall, Picasso, Max Ernst e Klimt. Ismael Nery não vendeu nenhum de seus trabalhos em vida. Faleceu em 6 de abril de 1934, na cidade do Rio de Janeiro.

Catálogo Dan Galeria – exposição de 26 de novembro a 14 de dezembro de 1991.

[2] Murilo Mendes: Poeta e crítico de arte nascido em Juiz de Fora (MG) em 1901; falecido em Portugal em 1975. Murilo foi casado com a poetisa portuguesa Maria da Saudade Cortesão.  Em Juiz de Fora há o Museu Murilo Mendes http://www.museudeartemurilomendes.com.br/

Lourival Fontes, 1895-1967, advogado; foi embaixador no México durante o primeiro governo de Getúlio Vargas; também foi chefe da Casa Civil no segundo governo de Vargas; diretor do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) criado pelo Estado Novo e Senador em Sergipe.

[3] Em 1974 no Museu de Arte de São Paulo (MASP), a primeira exposição individual intitulada: Ismael Nery: 1900-1934; e, retrospectiva, no MAB/FAAP, São Paulo. Antes disso, em 1948, Murilo Mendes publicou uma série de artigos no jornal O Estado de São Paulo e em Letras e Artes, posteriormente reunidos pela EDUSP no livro Recordações de Ismael Nery, de 1996.

Em1969, na cidade do Rio de Janeiro, o Vídeo Sérgio Santeiro: O Guesa, Ismael Nery, Viagem pelo Interior Paulista, de Paulo Mendes de Almeida.

Em 1973, foi publicado o livro Ismael Nery, de Antonio Bento (1902-1988), com introdução de Murilo Mendes.

Em 1984, na cidade de São Paulo, a crítica de arte Aracy Amaral (1930-) lançou um livro sobre a obra do pintor na Retrospectiva Ismael Nery, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC/USP; entre outros.

Série Emmanuel Nery IV: o simbólico em Gota de Paz

4 maio

Por Gisele Miranda

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003) Gota de Paz, 1986, acrílico s/ tela 55 x 46 cm.

Quando uma imagem está em consonância com a natureza pode-se dizer que existe uma relação simbólica; e quando apresenta uma coloração significativa diz-se que abrange o imaginário coletivo. O exemplo é da morbidez da imagem e a contraposição do pequeno foco de luz, a Gota de Paz, que intriga.

Para Emmanuel Nery este homem de terno e gravata era o artista preso nas amarras da necessidade. A construção se deu a partir de reminiscências de quando era auxiliar de publicidade.

As falanges desgarram-se sob efeito de sublimação contrária, a partícula ou a gota que cai. Forças contrárias que se encontram?

Mas, o que leva uma pessoa a adquirir um trabalho que explicitamente choca à primeira instância? Coincidência que tenha sido comprado por um publicitário?

Durante a entrevista com o adquirente de Gota de Paz, em seu escritório, de terno e gravata, observei a pintura a cerca de três metros à frente de sua mesa.1

Questionei a possibilidade da sensação de um retrato ou espelho. Mas o adquirente foi enfático em dizer: – “…até conversei com Emmanuel, a visão dele não era exatamente a minha visão…”.

No final de nossa entrevista:- “…eu gostei, eu não sei explicar, eu gosto do traço… ele é um pouco angustiado, ele tem essa coisa de terno e gravata… mas de certa forma eu me identifico, não sou dark… a cidade como São Paulo, ela angustia o cara…”.

1 Optei por deixar anônimo o adquirente pelo fato da entrevista ter ocorrido em 1992, tendo sido autorizada, na época,, apenas para produção acadêmica. Destaco que Gota de Paz foi o primeiro quadro comprado pelo adquirente.

Série Emmanuel Nery III: Bar Alpino em Orelhas sobre a mesa

27 abr

por Gisele Miranda

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003), Orelhas sobre a mesa, acrílico s/ tela 55 x 46 cm, 1986.

Orelhas sobre a mesa reforça o relato pictorial do artista sobre a cidade e a transforma em possibilidades de exprimir a tensão entre a racionalidade e o emaranhado das existências humanas. (Calvino, 1991)

Na pintura, os excessos da incomunicabilidade através de duas figuras deformadas pela falta de diálogo; o raciocínio confunde-se com a força bruta: “facas sobre a mesa… não orelhas sobre a mesa…” – ato falho de Emmanuel Nery. (1) Facas ou orelhas?

A incomunicabilidade da fala e da escuta se estende à inexistência do entorno. Nas cores rosa e azul por Goethe e Kandinsky: a busca teórica de suas escolhas. Para ambos a junção da matriz vermelho que em suas variações resultam em rosa e lilás; com o azul, o resultado da violeta, que variavelmente chega ao rosa em movimento concêntrico.


[1] Emmanuel Nery em 30 de junho de 1993; entrevista à Gisele Miranda.

Série Emmanuel Nery II: espaços de percepções

26 abr

Por Gisèle Miranda

 

Em 1967, Emmanuel Nery, então com 36 anos pintou Bar Alpino, outrora, lugar de memória e história. Bar Alpino foi uma exceção, pois de 1967 até 1973, quase não pintou. Vivia para as atividades de relações públicas e jornalista na área de economia.

Na pintura, a criança Emmanuel remete aos encontros com a sua mãe, a poetisa Adalgisa Nery, provavelmente nos fins de semana quando saía do internato Frei Fabiano.

Mas, se toda a obra de arte é filha de seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos (Kandinsky, 1990: 27), algo do silêncio entrecortado deve ter motivado a exceção, afinal, era o auge da ditadura militar no Brasil, final do governo do Gal. Castello Branco (1964-67) e o começo do governo do Mal. Costa e Silva. (1967-69)

Talvez, houvesse por parte do menino Emmanuel, a sensação de pouco espaço para expressão ou pouco tempo para estar com sua mãe. Essa lembrança veio justamente em um período em que se sentiu enfraquecido para produzir, para criar na pintura.

A representação do Bar Alpino como lugar de memória, na cidade do Rio de Janeiro, tem o privilégio de ser o lugar onde o usuário inscreve história… e preserva a memória do seu repertório coletivo. (Lynch, 1988: 122) É um vulcão em erupção de memórias e significações que exprimem seus modos de vida, diferenças sociais, embates políticos, olhares de uma sociedade complexa.

A mãe observa o filho comer em um jogo de espelhos. Um labirinto ou um túnel do tempo?

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003), Bar Alpino , óleo s/ tela 55 x 48 cm, 1967.

O verde que decorre da mistura do amarelo (excêntrico) com o azul (concêntrico) – da cor quente para a fria – remete ao distanciamento, mas com um quê de satisfação: olho e alma repousam nessa mistura como se fosse algo simples. (Goethe, 1993: 135)

O Princípio da Necessidade Interior, fundamento teórico de Kandinsky, ressalta a base na produção de uma obra, desde a personalidade do autor, a época que desponta na busca da própria linguagem, da fala política, corroborando à técnica apurada de Emmanuel Nery, visto no triângulo e no amarelo (teoricamente o triângulo é sempre amarelo).

Para exemplificar essa triangularidade, recorro a geometria do antigo Egito pela doutrina religiosa dos princípios da Trindade (Osíris, Ísis e Horus), associados diretamente à luz solar ou ao Deus Sol ´Rá´. (Carvalho, s/d, p. 229) Ou seja, o estudo de cores e formas associado às reminiscências, do racional ao emocional.

Mesmo que  houvesse a distância ou a incompreensão comunicativa entre mãe e filho, o ambiente reforça o refúgio, em um abrigo de segredos e de silêncio.

“…Tempo real –

De mãe e filho.

Em tempo –

Sem qualquer tempo –

Durante algum tempo irrisório,

Encontro.” (1)


[1] Parte da poesia Tempos de Emmanuel Nery, s/d.

Série Emmanuel Nery I: Ismael Nery “em três tempos”

24 abr

Por Gisele Miranda

 

Emmanuel Nery nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 3 de julho de 1931 e faleceu na mesma cidade, em 3 de julho de 2003. Artista visual e poeta, foi aluno de Cândido Portinari (1903-1962), Alberto Guignard (1896-1962), De Chirico (1888-1978), Salvador Dali (1904-1989), Diego Rivera (1886-1957), Frida Kahlo (1907-1954), Norman Rochwell (1894-1978). Filho caçula do Surrealista brasileiro Ismael Nery (1900-1934) e da poetisa Adalgisa Nery (1905-1980).

Em 1988, no MASP, sob escolha a dedo de Pietro Maria Bardi (1900-1999), quarenta telas foram expostas. Foi durante essa exposição que tive o prazer de conhecer Emmanuel Nery.

Seu trabalho figurativo crítico referencia alguns de seus mestres – dos pincéis às longas conversas sobre o multifacetado mundo das artes. Houve ênfase de imagens surreais, elo vertiginoso de três de seus mestres De Chirico e Salvador Dali. Mas, e Ismael Nery?

Com seu pai o vínculo afetivo foi de ausência, marcado pelo pouco tempo de convivência, já que Ismael morreu quando Emmanuel tinha apenas 3 anos. Seus desenhos e pinturas efetivamente tem algo em comum – de pai para filho? Melhor dizer, o filho resgatando o pai em gestos e expressões exteriores com segredos de atitudes interiores. (VOVELLE, 1991:31) Caso explícito da obra “Ismael em três tempos”, donde questões de autoria, canonicidade e interpretação tecem três momentos conhecidos de Ismael Nery, ou seja: vida, morte e consagração póstuma. (1) A obra “Ismael em três tempos” teve um ar de acerto de contas à memória de seu pai.

Emmanuel Nery (RJ, 1931-RJ, 2003), Ismael em três tempos, acrílico s/ tela 95 x 85 cm, 1986.

Os três momentos distintos foram alicerçados pelo fundo azul, conhecidamente uma cor profunda, circular e concêntrica com tonalidade para o roxo; fruto dos grandes mestres? Fruto de reminiscências da infância, a partir de um vidro de biscoitos que sua avó levou quando foi visitá-lo no internato Frei Fabiano. Momento este revigorado na realização da obra.

E, para aquém da obra visual, o poeta Emmanuel Nery declamou a morte e a consagração póstuma de seu pai:

 

“… Pai, nunca tive.

Mas foi sobre-humano

Assim eu o fiz:

Moldado no perfeito.

Cheio do bom.”[2]



Ou,



“Viver meus filhos

Justifica viver.

Conhecer meu pai

Justifica morrer.”[3]

 

Ismael Nery, o pai, também declamou às vésperas de sua morte, a necessidade de ser poeta:

 


“Todo homem recita um poema nas vésperas da sua morte – a humanidade recitará também o seu nas vésperas da sua, pela boca de todos os homens que nesse tempo serão poetas.” (4)






(1) Nery, Ismael. Parte do Testamento Espiritual, novembro de 1933; Catálogo da Dan Galeria, 1991.

Ismael Nery nasceu em Belém (PA) em 1 de julho de 1900; mudou com seus pais para a cidade do Rio de Janeiro quando tinha 2 anos.  Ismael sempre gostou de desenhar, desde muito cedo; logo fez Escola de Belas Artes e aperfeiçoou-se na Europa. Trabalhou como arquiteto-desenhista e desenvolveu um sistema filosófico denominado Essencialismo, baseado na abstração do tempo e do espaço, na seleção e cultivo dos elementos essenciais à existência, na redução do tempo à unidade. (Catálogo Dan Galeria, 1991). Suas influências na pintura foram Marc Chagall, Picasso, Max Ernst e Klimt. Ismael Nery não vendeu nenhum de seus trabalhos em vida. Faleceu em 6 de abril de 1934, na cidade do Rio de Janeiro. É conhecida a sua visionária história de querer morrer aos 33 anos, como Cristo e como seu pai, o médico Ismael Nery

 

[2] Parte do poema inédito `Órfão de mãe´, de Emmanuel Nery, s/d.

[3] NeryEmmanuel. Forças Contrastantes. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Poema Antídotos, p. 80.

[4] NeryIsmael. Parte do Testamento Espiritual, novembro de 1933; Catálogo da Dan Galeria, 1991.