Por Gisèle Miranda
Historicizar a imagem em sua potência múltipla possibilita frutos pelo estímulo à memória, pelo promulgar do diálogo que conduz a instauração da documentação, da tradição, do comemorativo, do monumento à preservação e quiçá, a imortalidade.
Possibilita também que em cada tempo haja um olhar diferenciado, questionador que dialogue por entre temáticas, formas e cores. Cada obra, filha de seu tempo, mesmo que esse tempo pareça inconcebível, inquietante, irrepreensível.
Em uma sociedade de injustiças, de descaso e despreparo para absorver o melhor que a maturidade nos traz, as instituições e núcleos familiares ainda tem um amorfo olhar sobre o envelhecimento, e no que tange às condições de vida ou aos direitos elementares da cidadania esta população é credora de uma incomensurável dívida social. (Montenegro, 1992, p. 14)
Os estímulos a construção são maiores do que os estímulos a preservação e por conta da falta de políticas públicas, entre inúmeras ações institucionais aos pequenos núcleos familiares, a velhice para muitos ainda é sinônimo de inutilidade, ou seja, o tempo transcorrido, o saber adquirido, as experiências tornam-se memórias ao lixo, do lixo dos sem memórias.
Nos percalços da velhice, aquém da questão de saúde, estão perdidos os sinais de reconhecimento, de pertencimento – a praça, o coreto, as linhas de trens, as fachadas, as ruas. A memória é uma noção que legitima como cultura vivida e na qual cada experiência passada é uma virtualidade aberta. Estendendo a dimensão da memória, estende-se proporcionalmente a da imaginação. (Argan, 1992, p. 67-68)
A tríade que aparece representada na obra de Emmanuel Nery – duas mulheres e um homem marcam ao primeiro olhar social, a morbidez dos corpos quase derretidos pelo tempo.
O idoso não é assexuado, pulsa-lhe vida, portanto, desejos. E, por outro ângulo, o pintor não deve educar somente os olhos, é alma sobretudo tornar capaz de pesar. (Leclaire, 1996, p. 65)
A cor é uma preponderante nos trabalhos de Emmanuel Nery, por isso, cabe o destaque da cor branca, que age em nossa alma como silêncio absoluto. Esse silêncio que não é morto, ele transborda de possibilidades vivas. (Kandinsky, 1990, p. 89)
Apesar da cor branca praticamente inexistir em seus trabalhos, o pouco inserido em seus quadros referenda o tempo – o tempo passado. Vale o destaque de parte do poema Branco de Emmanuel Nery:
Luzes brancas,
Que não iluminam
– Só clareiam.
… Branco estéril.
…Branco da máxima produção.
Sem trabalho
Ou lazer.
… Branco asfixiante.
…Nos brancos
Vazando as últimas cores.
(Nery, 1987, p. 86)
Referências:
ARGAN, G. C. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
KANDINSKY, N. Do espiritual na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
LECLAIRE, S. Psicanalisar. São Paulo: Perspectiva, 1986. (Coleção Debates, 126)
MONTENEGRO, A. T. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, 1992. (Caminhos da História)
NERY, E. Forças Contrastantes. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
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