Por Lia Mirror & Gisèle Miranda
A Alegria de Emma[1] tem um intrínseco elo com o Futuro (que) dura muito tempo de Louis Althusser. Emma era uma versão feminina alemã de “O garoto selvagem” de Truffaut com condimentos do dinamarquês Lars Von Trier em os “Idiotas“. Althusser era um filósofo marxista de carreira universitária. Ele clamou a solidão de seu isolamento teórico e o risco solitário diante do mundo, além de percorrer de Rousseau a Derrida para a intervir como filósofo na política e, como político na filosofia. O futuro dura muito tempo foi escrito alguns anos depois do estrangulamento de sua esposa, Helène, em 1980.
Os porcos degolados por Emma foram cuidados e amados até os oito segundos da morte. Da mesma forma, ela fez com o seu amado, um doente terminal – a degola – em apenas, oito segundos. Nenhum som e nenhuma fala. Emma e Althusser agiram com as mãos, da faca à caneta; do silencio à escrita. Os papéis foram sendo esculpidos e as imagens sobrepostas.
Rachel Korman, big pig, 2008, digital photograph 50 x 70 cm.
Será que o desaparecido de Foucault reapareceu na escrita necessária de Althusser e de alguma maneira impronunciado com seu parricida Pierre Rivière, o degolador? Rivière vem das primeiras três décadas do século 19, abrindo discussões na medicina psiquiátrica e nos conceitos da justiça em perspectivas políticas de meados do século 20. Ele degolou ou amputou a fala da mãe e dos irmãos? E sem a sua própria fala, construiu um memorial justaposto à escrita por uma memória minuciosa.
Dos relatos aos lapsos do escritor Lima Barreto em seu Diário do hospício e o cemitério dos vivos, o enredo de um tempo que também parece durar muito, precisamente porque foi imposto por uma limpeza social (policial e higienizadora) marcadamente pelas primeiras décadas do século 20 no Brasil. Lima Barreto não matou, mas viveu personagens em meio aos desaparecidos por assassinatos, esquizofrenia, alcoolismo, vadiagem, entre outros. Sua escuta era intensa e sua escrita verteu-se ao ensejo do necessário.
Não me assustavam os criminosos; escreveu Lima Barreto, mas a candura, a inocência e a naturalidade; a punho e em pedaços de papéis registrou seu cemitério dos vivos ou sua analítica versão de as Recordações da casa dos mortos de Dostoiévski. Assim, em tal estado de espírito, penetrado de um profundo niilismo intelectual. (p. 186-189)
(1) O Filme Emmas Glück (A alegria de Emma) de 2006 http://www.tvcultura.com.br/mostrainternacional/blog/33772 do diretor alemão Sven Taddicken baseado no romance de Claudia Schreiber.
Referências:
ALTHUSSER, Louis (1918-1990) O futuro dura muito tempo; seguido de Os fatos. Org. e Apres. Olivier Copet, Yann Moulier Butang; Trad. Rosa Freire d´aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BARRETO, Lima (1881-1922). Diário do hospício e o Cemitério dos vivos. Prefácio Alfredo Bosi. Org. e Notas Augusto Massi e Murilo Marcondes de Moura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
FOUCAULT, Michel (Coord.) Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Trad. Denise Lezan de Almeida. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1977.
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