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Sala Escura da Tortura

1 nov

por Gisele Miranda

Sala Escura da Tortura é uma obra coletiva de 1973 realizada em Paris pelo Grupo Denúncia – criado por quatro pintores antifascistas: o argentino Julio Le Parc (1928-), o  brasileiro Gontran Guanaes Netto (1933-2017), o uruguaio José Gamarra (1934-) e o espanhol Alejandro Marcos (1937-).

O processo de criação dos painéis foi calcado nas denúncias de frei Tito de Alencar (1945-1974), um jovem frei dominicano que foi brutalmente torturado durante a ditadura civil e militar no Brasil.

Frei Tito e o artista Gontran Netto foram presos no governo militar de Arthur Costa e Silva (1967 a 1969). Gontran, após ser solto de sua segunda prisão, partiu para o exílio. Frei Tito, infelizmente, não teve tempo de se defender e continuou na  prisão sofrendo atrocidades que permaneceram até o fim de seus dias.

Em 1970, o frei escreveu sobre as torturas sofridas. Em janeiro de 1971, ele foi resgatado com mais 69 presos em troca do embaixador suíço, no governo do gal. Médici. Bastante efermo, Tito partiu para o Chile, Itália e França. Em 1974, a notícia de sua morte aos 29 anos.

Frei Tito não conseguiu mais viver depois de ter passado pela “sucursal do inferno”: que só terminou com sua morte. Em 10 de agosto de 1974 (…) à sombra de um álamo. (…) Acima do chão e abaixo do céu como aqueles que repousam na terceira margem do rio. (Sala Escura da Tortura, 2011, p. 53; 29)

Gontran, baseado também em suas prisões, pintou o conhecido “pau-de-arara” que em depoimento de Frei Tito ecoou:

Levaram-me para o “pau-de-arara”. Dependurado nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos (…) foram seis torturadores (…) O capitão Albernaz mandou que eu abrisse a boca para receber “a hóstia sagrada”. Introduziu um fio elétrico (FREI TITO. Sala Escura da Tortura, 2011, p. 54. Arquivo GGN/GM)

Grupo Denúncia. Sala Escura da Tortura, 1973. Painel “pau-de-arara” de Gontran Guanaes Netto. Arquivo GGN/GM.

Julio Le Parc, três anos depois de Sala Escura da Tortura viu a sua Argentina ser assolada, de 1976 a 1983, pelo golpe militar deixando um saldo de 30.000 desaparecidos.

Grupo Denúncia. Sala Escura da Tortura, 1973. Painel de Julio Le Parc. Óleo sobre tela 2 m x 2 m. Arquivo GGN/GM

Alejandro Marcos nasceu na Espanha, migrou para a Argentina com a sua família quando tinha 12 anos – exilados do fascismo de Franco. Em 1963, o artista foi para Paris onde reside até hoje. Ele pintou o exílio dos espanhóis à memória da dor de frei Tito de Alencar, sob a célebre frase de Picasso: “o pincel é minha arma contra o fascismo”.

Grupo Denúncia. Sala Escura da Tortura, 1973. Painel Alejandro Marcos. Óleo sobre tela 2 m x 2m. Arquivo GGN/GM.

O artista uruguaio José Gamarra pintou o painel que mostra a violência às mulheres presas e torturadas – seguido de estupros: a mais antiga arma de guerra. Gamarra viu de Paris, o seu Uruguai ser violentado pela ditadura três meses antes do golpe militar no Chile, em 1973.

Grupo Denúncia. Sala Escura da Tortura, 1973. Painel de Jose Gamarra. Óleo sobre tela 2 m x 2m. Arquivo GGN/GM.

Grito do Silêncio

24 ago

Por Gontran Guanes Netto

Nesta sala obscura e silenciosa, os gritos repercutem na consciência.

Ao penetrarmos em uma caverna pré-histórica, uma grande emoção nos invade diante das pinturas, marca indelével de humanidade. Outras marcas, através dos tempos, deixaram testemunhos diversos da presença humana. A capela Sistina nos energiza de calor humano. Através da pintura Guernica são eternizadas as testemunhas da violência exterminadora.

Ao realizarmos a Sala Escura pensamos em dar uma modesta contribuição em uma exposição limitada. Hoje, nos sentimos surpresos diante do fato de nosso impulso coletivo ter se transformado em símbolo das realidades de uma época de violências arbitrarias, movidos pelo poder do Estado.

Sala Escura da Tortura, trabalho coletivo: Gontran Guanaes Netto, Julio Le Parc, Alejandro Marco, Jose Gamarra, 1973

Atualmente, nada nos move ao apropriarmos essa Sala, mas estamos convencidos do que ela representa a apropriação de todas as consciências não omissas, motivando- as, a uma contribuição concreta para que seja admitida a necessidade de punição exemplar e definitivamente extirpar este vírus maligno.

Não podemos de nenhuma forma aceitar omissões, justificativas que isentem responsáveis das aberrações cometidas. Esta Sala silenciosa será símbolo permanente da cobrança de justiça e pesa como memória silenciosa e duradoura.

http://salaescuradatortura.com.br/