por Gisele Miranda
Para adentrar a Arte do Brasil Colonial – do Maneirismo ao Barroco Mineiro, correspondente aos séculos 16, 17 e 18, é necessário resgatar a historicidade dos séculos 14, 15, 16 e 17 da Europa Ocidental, pois o contexto histórico eclodiu em mudanças intensas nas nações saídas da Idade Média à passagem para a Idade Moderna.
Nessa passagem há a valorização do poder real em detrimento ao da igreja e as buscas do saber e dos valores carnais que impulsionaram às artes a tomarem as rédeas do Renascimento Cultural.
O conceito Clássico Anticlássico do historiador da arte Giulio Carlo Argan (1999) especifica bem o temperamento estético dessa fase. O Clássico pelo valor universal via Antiguidade e a engrenagem do Anticlássico:
Na leitura do antigo com pluralidade de dados particulares que podem e devem ser revitalizados numa prática contemporânea que os recrie, acrescentando o distanciamento histórico. (1)
No entanto, o conceito Anticlássico não deve ser estendido ao Maneirismo, pois pertence ao diálogo com o Clássico. Nessa eclosão artística ocorreu a modificação da escala urbana e novos profissionais das artes ascenderam para a valorização.
Os artistas detinham habilidades múltiplas, ou seja, eram pintores, escultores, arquitetos e foram os destaques do Renascimento, com estudos matemáticos, estudos da anatomia humana, invenções, irradiações intelectuais, assimilação da perspectiva, a tinta a óleo e a gravura, além das técnicas de reproduções estéticas impulsionadas pela imprensa que atravessaram oceanos até chegarem a colônia, os artistas-arquitetos ligados às órdens religiosas dos jesuítas, beneditinos, carmelitas e franciscanos; também dos construtores militares com estratégias no processo de colonização.
Os colonizadores eram preponderantemente portugueses e espanhóis, principalmente no período da União Ibérica (1580-1640), através das alianças dos reinos de Portugal e Espanha. Mas em menor quantidade vieram os holandeses e dominaram a região nordeste do Brasil (1630-1664), além dos italianos, germânicos, franceses, enfim, diversas linguas vindas de uma tradição oral dos viajantes (marujos, aventureiros, fugitivos) à constução de um memorial musical multicultural que influenciou a estética colonial com relatos, cantos e desenhos numa fusão de etnias.
Outros fatores históricos importantes para estética vindoura no Brasil Colônia, foram a Reforma (1517) e a reação do Concílio de Trento com a Contrarreforma (1545).
Quais os artistas e suas variantes que fizeram as transformações da estética da Renascença ao Maneirismo? E como foram incorporados esses valores à colônia? Através da Alta Renascença, ou o Cinquecento italiano, são conhecidos os nomes de Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo (1475-1564), Rafael (1483-1520), Ticiano (c. 1485 – 1576), entre outros.
O Maneirismo foi um campo de ação da arte – da singularidade do objeto à escala urbana. Teve na figura de Michelangelo a estética transitória quando deixou de lado a razão do Renascimento para compor as emoções do Maneirismo.
O Maneirismo na Europa Ocidental tem uma temporalidade de 1515 a 1560, podendo oscilar para mais ou menos de acordo com permanência do artista ao estilo ou à transição para o Barroco, seja Laico ou Religioso. Giulio Carlo Argan criou dois conceitos artísticos ligados ao Barroco: o Barroco Laico – dos países baixos ligados a Lutero e Calvino; Ingleses, em 1534, quando Henrique VIII rompeu com catolicismo do Barroco Religioso, extremamente católico. (2) No entanto, no Brasil, o Maneirismo foi amalgamado no Barroco.
Dentre os grandes nomes do Maneirismo, além de Michelangelo, estão Tintoretto (1518-1594), Andrea Palladio (1518-1580), El Greco (1541-1614), Hans Holbein, o jovem (c.1497-1543), Brueguel, o velho (1525-1569), Arcimboldo (1527-1593). A Giorgio Vasari (1511-1574), atribui-se o uso do termo Maniera ou Maneirismo ou à maneira de verter a leveza, a graça à obra de arte. Vasari era pintor, escultor e arquiteto e tornou-se um grande biógrafo dos artistas, considerado um teórico importante do Gótico, Renascimento e Maneirismo.
Jacopo Robusti, o Tintoretto (Veneza, Itália, 1518- Idem, 1594) Ecce Homo ou Pilatos apresenta Cristo à multidão. Óleo sobre tela, 109 x 136 cm. Acervo MASP – Museu de Arte de São Paulo. Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira S.A., Banco do Estado de São Paulo – Banespa, Gastão Vidigal, Clemente de Faria, Miguel Maurício, Banco da Lavoura de Minas Gerais S.A. e Alberto Quattrini Bianchi.
Hans Holbein, o jovem (Augsburg, Alemanha, 1497/98 – Londres, Inglaterra, 1593) O poeta Henry Howard, Conde de Surrey, c. 1592. Óleo e têmpera sobre madeira (carvalho). Acervo MASP – Museu de Arte de São Paulo.
Quais os princípios do Maneirismo além da inserção da emoção frente ao racionalismo? Um certo exagero de detalhes se comparado ao ponderado clássico. O Maneirismo é a arte labiríntica, das proporções estranhas sem a rigidez clássica. A forma dos espirais, decorações com guirlandas, frutas, flores, caracóis; uma arquitetura triangular em contraponto ao quadrado renascentista. A presença de escadas, de figuras sobrepostas em um mesmo espaço, tanto nas pinturas como nas esculturas. Músculos retorcidos, rostos melancólicos ao drama; drapeados nas roupas e a luz que passa a projetar sombras.
Como essas referências chegaram ao Brasil? E como inicia o Maneirismo na colônia portuguesa? Na passagem para a Idade Moderna, nas inovações técnicas ligadas a difusão do conhecimento muito mais acessível e vinculada a reprodução. As gravuras, em tamanhos menores e de fácil transporte acrescentaram tanto o potencial visual, quanto as teorias para os desenvolvimentos artísticos.
Argan sustentou que o Barroco inventou a modernidade com suas imagens e persuasões destiladas pelo Barroco Religioso e periférico (nas colônias). E o caso mais explícito foi no Brasil, pelo Barroco genuíno denominado Barroco Mineiro, ocorrido no século 18.
Vinculados aos colonizadores portugueses estavam os religiosos de várias ordens que detinham o conhecimento. Com exceções de militares engenheiros que fizeram construções estratégicas e bélicas de proteção dos territórios, os fortes, os faróis e centros militares aos espaços públicos.
As primeiras construções na colônia são Maneiristas. Embora a maioria tenha sido modificada ou demolida pelo fervor do Barroco Religioso ou por atritos com os holandeses. Por conta disso, a arquitetura tem um acervo pequeno, mas vivo em registros documentais.
Essa mescla é conhecida como uma arquitetura de chão ou estilo de chão, caracterizado por uma planta básica com uma nave única retangular, capela mor alongada, ou seja, na profundidade e não largura; frontão triangular que diferenciava do quadrado clássico.
Inicialmente foram construções realizadas por jesuítas e franciscanos, posteriormente também desenvolvidas por beneditinos e carmelitas. Essas construções começaram a ser realizadas na região nordeste (Salvador, Olinda, Recife) e depois na região sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo). Esse processo construtivo tem muito a ver com a importância das regiões de acordo com suas capitais, ou seja, Salvador foi a capital do Brasil, de 1549 a 1763. De 1763 até 1960, a cidade do Rio de Janeiro passou a ser a capital, até ser transferida para Brasília, DF, em 1960. (3)
Notas:
(1) Arquiteto, Historiador e Crítico de Arte Giulio Carlo ARGAN (Turim, Itália, 1909 – Roma, Itália, 1992). In: Clássico Anticlássico: o Renascimento de Brunelleschi a Bruegel, 1999, p. 11. Cabe destacar que Argan esteve no Brasil em 1991, como palestrante no Congresso Internacional Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo/SP.
(2) Conceitos criados pelo arquiteto e historiador e crítico de arte italiano Giulio Carlo ARGAN. In: Imagem e Persuasão, 2004.
(3) Vale destacar o nome de Lúcio Costa (Toulon, França, 1902 – Rio de Janeiro, RJ, 1998), um grande estudioso do Maneirismo, Barroco e Rococó, no entanto, ele é mais conhecido por sua participação na construção de Brasília por uma Arquitetura Moderna e altamente valorizada pelo estilo único do grande arquiteto Oscar Niemeyer (Rio de Janeiro, RJ, 1907 – Rio de Janeiro, RJ, 2012).
Referências:
ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão: ensaios sobre o Barroco. Tradução Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ARGAN, Giulio Carlo. Clássico Anticlássico: o Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Tradução Lorenzo Mammì. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BURY, John. Arquitetura e arte no Brasil Colonial. Organização Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira. Brasília, DF: IPHAN / Monumento, 2006.
GOMBRICH, Ernst H. J. História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
KIEFFER, Anna Maria (Org). Teatro do descobrimento (CD). São Paulo: Estúdio Cia. do Gato, 1999.
MICHELANGELO Buonarroti (1475-1564). Org. Maria Berbara. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; São Paulo: Editora da UNIFESP, 2009.
MACHADO, Lourival. Barroco Mineiro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
PROENÇA, Graça. História da arte. São Paulo: Ática, 2007.
TIRAPELI, Percival (Org.) ARTE Sacra Colonial: Barroco Memória Viva. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo; Editora UNESP, 2005.
TIRAPELI, Percival. Igrejas Barrocas do Brasil. São Paulo: Metalivros, 2008.
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