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Autorretrato

2 nov

por Gisele Miranda

“Eu sai da prisão… duas prisões, uma decorrente da outra. A primeira foi em setembro, a segunda em novembro de 1969. Assassinaram Marighella.” (GGN, áudio, 28 nov. 2002. Arquivo GGN/GM)

A primeira prisão do professor-artista Gontran Netto (1933-2017) se deu na sala de aula, na FAAP. A segunda no ateliê que dividia com José Roberto Aguilar (1941-) e Jô Soares (1938-2022). Na saída da segunda prisão recebeu o aviso que “na terceira não sairia com vida.”

Gontran Guanaes Netto (ou André), tríptico autorretratos de 1954-1964/ 1968-1969 e 1971-1972.óleo sobre madeira, 2 m x 1 m., 1972-1973. Acervo da Família/ Arquivo GGN/GM.

Gontran foi levado pela OBAN (Operação Bandeirantes) onde as torturas ficaram conhecidas ao extremo – “Bacuru” codinome do estudante Eduardo Collen Leite (1946- 1970) – torturas seguidas de mutilações. O momento limite foi na segunda prisão, no DOPS, fizeram-no sentar na “Cadeira do Dragão”.

Algumas horas depois de sua soltura, o artista deixou o Brasil, no intercâmbio presidencial de Costa e Silva a entrada de Emilio G. Médici, de 1969 a 1974.

José Ignacio Sampaio me propôs o seguinte: – Te pago a passagem, te levo até Viracopos e pronto. (…) Uma amiga, a Luiza Freire se encarregou do contrato de aluguel da minha casa, distribuindo minhas coisas entre os amigos (…) livros, discos, desenhos, pinturas. (…) passei a noite enterrando todo o material clandestino. (GGN, manuscrito, 2010. Arquivo GGN/GM)

Sem dinheiro sem falar francês e sem condições de trabalho (…) encontrei um amigo, o Luiz Hildebrando, cientista que trabalhava no Pasteur. Ele me perguntou: ‘e agora, o que você vai fazer!’ Disse a ele: o meu objetivo, dentro do possível, é ocupar um espaço onde eu possa atuar e desenvolver um trabalho contra as ditaduras. (GGN, áudio, 28 nov. 2002. Arquivo GGN/GM)

Ao sair do Brasil, Gontran viveu uma outra realidade, a França do presidente Georges Pompidou e a aliança com os EUA de Nixon. Visto por esse ângulo foram as estratégias políticas de apoio às ditaduras militares na América Latina, Neocolonialismo e o Apartheid – três dos pilares temáticos de sua pintura de 1969 a 1982.

Ao chegar em Paris lembrou que Antônio Henrique Amaral (1935-2015) havia lhe dito na noite anterior, no turbilhão de algumas horas antes do exílio, que o Arthur Piza (1928-) estava em Paris.

Havia abandonado as minhas filhas Lúcia (14 anos) e Cristina (11 anos). Desprovidas agora das condições econômicas (…) da presença física (…) estava vivendo a dor e a impotência (…) culpa por ter abandonado o país, ponderando que talvez pudesse ter sobrevivido na clandestinidade. (…) Não sabia bem o que dizer ao Piza … ele me disse: tem um hotelzinho aqui na esquina, leve esses 10 francos, tome um banho e descanse que o Francis virá buscá-lo. (GGN, manuscrito, 2010. Arquivo GGN/GM)

Sem saber se expressar para os amigos, cada dia sentia-se mais inseguro. Não parava de pensar, sentir medo e a recordar das prisões, dos gritos e das mortes. Depois de meses no exílio nesse “ir e vir dentro de situações de grande dramaticidade” (NEGRI, 2001, p.10), Gontran encontrou o escultor Construtivista Sergio Camargo (1930-1990):

Um fato decisivo para uma segunda fase de minha estadia na França: Sergio Camargo, artista carioca com prestígio em Paris me apresentou a Cité Internacional des’Arts (…) graças a esta apresentação fui aceito para uma estadia de um ano. (GGN, manuscrito, 2010. Arquivo GGN/GM)

Em Cité de’Arts ele se alinhou “aos Jovens Pintores, aos Pintores antifascistas, aos Pintores Latino-americanos em Paris”, enfim, um novo desafio com a segurança da infraestrutura e amizades. (GGN, áudio, 27 nov. 2002, fita II. Arquivo GGN/GM)

De imediato conheceu o já consagrado Julio Le Parc (1928-). Seus trabalhos são distintos, mas suas cores se encontraram na luta contra as ditaduras e o anticolonialismo. As exposições foram surgindo: duas exposições individuais em Paris. (1970 e 1974) e quatro coletivas, duas em Paris (1970 e 1972), uma em Nova York (1970) e outra em Havana (1973).

Passei a ser ouvido e respeitado, tanto nos meios intelectuais franceses como latino- americanos (…) participações em muitas exposições com caráter estético-político se multiplicaram. Fundamos, a convite da Bienal de Veneza, a Brigada Internacional de pintores Antifascistas. (GGN, manuscrito, 2010. Arquivo GGN/GM)