Por Gontran Guanaes Netto & Gisele Miranda
A Série Retecituras nasceu pelo revigoramento da escrita, em seu devir inacabado, também rememorado e retecido. Uma aula de história, arte e política.
O tema desse devir maturado é o Museu de Solidariedade Salvador Allende, nascido político com fases significativas de suas obras.
Antes do golpe militar no Chile, o Museu foi pensado entre 1971-72, por Salvador Allende (1908-1973) e contou com participação, entre outros, do crítico de arte Mario Pedrosa (1900-1981).
Durante a ditadura militar do Chile, de 1973 a 1990, as obras doadas tiveram o intuito de reafirmamento/reconhecimento da luta externa contra o ditador Augusto Pinochet (1915-2006) e por solidariedade ao Chile livre. Mesmo sob repressão, o Museu Salvador Allende resistiu.
Quando o Chile resgatou a sua democracia, o Museu foi revitalizado por intermédio da Fundação Salvador Allende e com a participação do artista e curador Emanoel Araújo (1940-2022).
Para selar a parceria Chile-Brasil, reconhecida desde o início do projeto do Museu, além de Mario Pedrosa e Emanoel Araújo, também estiveram presentes Gontran Guanaes Netto, Antonio Henrique Amaral (1935-2015), Lygia Clak (1920-1988), e inúmeros artistas de outras nacionalidades.
Emanoel Araújo assinou a mostra itinerante de cento e trinta obras selecionadas das duas mil obras do Museu Salvador Allende, denominada: Estéticas, sonhos e Utopias dos Artistas do Mundo pela Liberdade que ocorreu na Galeria de Arte do SESI de São Paulo, de março a junho de 2007.
Um ano antes da exposição recebemos um e-mail para avaliação da obra doada por Gontran Guanaes Netto, de 1973 (1). Contudo, a obra estava `sem título´, mas ela chama-se La Prière (A Oração). No mais, abaixo, o manifesto de Gontran Guanaes Netto:
Foi com surpresa que recebi o convite para a inauguração do Museu Solidariedade Salvador Allende. Julguei como certo que minha obra não estaria inclusa neste Novo Museu. A surpresa maior foi ver o meu quadro com a designação “obra sem título”, o que tirou o significado irônico da obra: Nixon (Estados Unidos) e Pompidou (França), presidentes de duas potências durante a guerra do Vietnã (1959-1975, Vietnã X EUA)
A obra chama-se La Prière (A Oração). Tema escolhido para ironizar a atitude de ambos diante da história. Ambos implicados na guerra do Vietnã. Preocupado, revirei papéis antigos e a dar voltas com a minha consciência.
Seria válido estar presente em uma exposição no coração do sistema e movido ao preço de um equívoco histórico, sendo eu testemunha, vivido com ardor e entusiasmo, participando e assinando documentos que contrariam a atual apresentação do Museu?
O golpe do Chile consternou a Europa e, especialmente, a França que naquela época se preocupava com as perspectivas democráticas via eleições. As tendências de denúncia e resistência eram intensas.
Participei da exposição Viva Chile, na galeria Dragão, em Paris; com a venda dos quadros doados angariou-se fundos para retirar pessoas em situação de risco do Chile. Nós, os responsáveis pela iniciativa: Julio Cortázar, Le Parc, Cecília Ayala e eu, além da colaboração de Roberto Matta. No momento do golpe estávamos em Havana e assinamos o Manifesto Setembro 73, contra o golpe de Augusto Pinochet.
Fundamos a Brigada Internacional de Pintores Antifascistas quando recebemos o convite da Bienal de Veneza e apoiamos a greve de doqueiros venezianos que recusaram-se a carregar armamentos para o Chile de Pinochet.
A Brigada era composta por quinze artistas de diversos países. Além de considerar-me partícipe com outros artistas na criação do Museu contra Apartheid, Museu da Palestina e Museu da Nicarágua. Isso não foi ou é utopia. Agora é história e memória.
Só me resta dizer:
Arafat não pertencia a sua família, senão ao povo palestino.
Salvador Allende pertence ao seu povo e sua morte representou um inequívoco ato de Resistência.
Eu vejo os Museus atuais desodorizados, esterilizados e protegidos de manifestações.
Meu único patrimônio ainda é a minha consciência: Ancien combatant, jamais.”
Referências:
GUANAES NETTO, Gontran. Manifesto. Manuscrito, Itapecerica da Serra, outubro de 2007.
MOLINA, Camila. Preciosidades que chegam do Chile: Mostra reúne parte do Museu Salvador Allende, formado por doações de artistas do mundo todo. Jornal O Estado de S. Paulo, 19 de março de 2007, Caderno 2, D-3
Filme: 11 de Setembro (11’09”01), 2002 (França). Direção: Youssef Chahine (segmento Egito) , Amos Gitai (segmento Israel) , Alejandro González-Iñárritu (segmento México) , Shohei Imamura (segmento Japão) , Claude Lelouch (segmento França) , Ken Loach (segmento Reino Unido) , Samira Makhmalbaf (segmento Irã) , Mira Nair (segmento Índia), Idrissa Ouedraogo (segmento Burkina-Faso) , Sean Penn (segmento Estados Unidos) , Danis Tanovic (segmento Bósnia-Herzegovina). Onze diretores e onze curtas sobre 11 de Setembro; o inglês Ken Loach assinou o curta sobre o 11 de setembro de 1973 do Chile.
Exposição: “Sala Escura da Tortura”. Coletivo sobre as torturas na América Latina. Museu do Ceará, Fortaleza, 2005. Curadoria Edna Prometheu. Exposta a primeira vez no Museu de Arte Moderna de Paris, em 1973, seguindo para exposições na Itália, Suíça, Alemanha e Brasil.
Sobre obras brasileiras do Museu de Solidariedade Salvador Allende: Imprensa Oficial publica livro com obras brasileiras doadas para o Museu da Solidariedade Salvador Allende
[1] Paula Maturana, Coordinadora MSA – Museo de La Solidariedad Salvador Allende, em 26 de abril de 2006 – “Avaluo obra de Gontran Netto perteneciente al Museo de la Solidariedad Salvador Allende”
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Durante a ditadura militar do Chile, iniciada em 11 de setembro de 1973, as obras doadas tinham o intuito de reafirmamento/reconhecimento da luta externa contra a ditadura instaurada por Augusto Pinochet (que perdurou por dezessete anos) e, mais do que tudo, por solidariedade ao Chile livre. Mesmo sob repressão, o Museu Salvador Allende resistiu.
Quando o Chile resgatou a sua democracia o Museu foi revitalizado por intermédio da Fundação Salvador Allende e com a participação do artista e curador brasileiro Emanoel Araújo.